O Estado de S. Paulo

Filme de Téchiné tenta entender a sedução da violência

- Luiz Zanin Oricchio

Depois de recentes atos de violência praticados em seu território – em especial ao jornal Charlie Hebdo e à boate Bataclan, ambos em 2015 –, os franceses começaram a se preocupar com uma questão indigesta. O que levaria jovens franceses a filiar-se ao Estado Islâmico e praticar atentados em seu próprio país?

A sua maneira um tanto clássica, André Téchiné busca explicaçõe­s através da ficção em Adeus à Noite. Muriel (Catherine Deneuve) mora numa fazenda e fica feliz ao receber a visita do neto, Alex (Kacey Mottet Klein). O que ela não sabe, de início, é que se trata de uma despedida. Ao lado da namorada, Lila (Oulaya Amamra), Alex pretende aderir à Jihad.

Pode-se dizer que um dos méritos de Téchiné é evitar respostas fáceis para uma questão intrincada. Muriel estranha quando o neto a informa de que se converteu ao Islã. Até aí nada de mais. Cedo ela descobre que esse novo horizonte religioso escondia outro tipo de intenção. Há algo no comportame­nto de Alex que funciona como alternativ­a um tanto alucinada: o que é melhor? Uma vida de tédio ou uma morte gloriosa? Ele pergunta à namorada o que ela iria sentir quando ele estivesse morto. A resposta: “Orgulho”.

Há outras questões envolvidas. Como fica o livre-arbítrio quando uma pessoa decide cometer atos de violência e morrer em ação? Deve-se deixá-lo levar esse desejo às últimas consequênc­ias ou impedi-lo a qualquer custo, violando seu direito de escolha?

Há uma passagem interessan­te, quando Muriel pede ajuda a um “arrependid­o”, para que ele fale com o neto e o convença a desistir. Não importa aqui dizer como isso termina. Apenas destacar a resposta que o rapaz dá a Muriel quando ela lhe pergunta por que havia aderido ao radicalism­o? Ele responde simplesmen­te: “Porque esse caminho oferecia a possibilid­ade de mudar completame­nte de vida”.

Eis aí algumas pistas que esse filme oferece, porque o cinema não é apenas emoção mas também uma forma de compreende­r. A religião pode fornecer um sentido à vida – “são as grandes provedoras de sentido”, dizia o psicanalis­ta Jacques Lacan falando das seitas religiosas, em particular do catolicism­o. Pode-se entender que, no caso específico da Jihad, se juntam a essa aspiração ao sentido o exercício da violência (no que ela tem de pulsional) e a sensação de estar reparando injustiças históricas. Parece bastante sedutor para um jovem que vê sua vida como tédio sem fim.

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