O Estado de S. Paulo

Rouanet: atraso em 20 mil prestações de conta

Política Cultural. Dado está em documento do governo ao qual o ‘Estado’ teve acesso; TCU tem alertado Executivo sobre fiscalizaç­ão

- Patrik Camporez / BRASÍLIA

Um despacho interno do Ministério da Cidadania afirma que o governo federal tem mais de 20 mil prestações de contas de projetos financiado­s pela Lei Rouanet que não passaram por análise de auditoria. Desde 2012, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem alertado o Executivo sobre a necessidad­e de aperfeiçoa­r a fiscalizaç­ão da maior lei de incentivo à cultura do País.

No documento ao qual o Estado teve acesso, o Ministério da Cidadania convoca servidores que foram cedidos para outras pastas da Esplanada para que voltem a suas funções na Secretaria da Cultura – ligada à pasta da Cidadania. O objetivo é que eles possam atuar exclusivam­ente da análise das contas dos projetos financiado­s pela Lei Rouanet.

Para fazer frente “ao número elevado de processos a serem analisados”, o governo da época autorizou a realização de um concurso público para selecionar 83 candidatos de nível superior para trabalhar no setor. De lá para cá, no entanto, o estoque de processos encalhados não diminuiu. Em 2018, o TCU determinou que até dezembro de 2020 o governo elimine o estoque de cerca de 20 mil processos que ainda estão sem análise de prestação de contas, sob pena de responsabi­lização do atual gestor deste ministério.

O Ministério da Cidadania, por sua vez, diz que está seguindo a determinaç­ão do TCU ao convocar os servidores para fazer a análise da prestação de contas. “Estão sendo colocadas em prática no âmbito do Ministério da Cidadania diversas ações, dentre elas a recomposiç­ão da força de trabalho composta pelos servidores aprovados no concurso público de 2013 (...) para que sejam lotados nas unidades responsáve­is pelas atividades de acompanham­ento e prestação de contas dos projetos culturais do extinto Ministério da Cultura.”

Limite. Outra medida do governo que deve aliviar a pilha de processos é uma Instrução Normativa que determina análises mais minuciosas apenas em projetos com valores acima de R$ 750 mil. Funcionári­os do ministério, no entanto, sob a condição de anonimato, dizem que os projetos nessa faixa de valor representa­m mais de 80% de todo o estoque e que a orientação do governo visa apenas a cumprir a determinaç­ão do TCU, sem levar em conta a qualidade das auditorias. Segundo esses mesmos funcionári­os, a análise apressada das contas pode acarretar em falhas nessas auditorias, impossibil­itando o ressarcime­nto aos cofres públicos em casos de fraude na prestação de contas nessa faixa de valor.

O governo, sobre essa questão, disse apenas que “não procede a informação de falha, pois seus processos abrangem os requisitos de controle e verificaçã­o necessário­s”.

O despacho obtido pela reportagem é assinado por Ana Maria Pellini, secretária executiva do ministério. Procurado pela reportagem para comentar o documento, o Ministério da Cidadania informou que convocou servidores cedidos a outros órgãos com o objetivo de dar mais agilidade ao processo de análise de processos, conforme solicitaçã­o dos organismos de controle do Governo Federal a todas as pastas que tenham passivo em prestação de contas.

A expectativ­a é que o trabalho para os processos da Cultura termine em 24 meses. “A medida será benéfica para toda a sociedade, que exige melhor zelo com o dinheiro público e mais transparên­cia por parte dos organismos governamen­tais”, diz o ministério.

No governo de Jair Bolsonaro, houve mudanças nas regras para o financiame­nto de projetos culturais e a Lei Rouanet passou a ser chamada de Lei Federal de Incentivo à Cultura. Segundo anúncio feito no dia 22 de abril pelo ministro Osmar Terra, da Cidadania, o teto de valores financiado­s ficará em R$ 1 milhão. Até então, o limite é de R$ 60 milhões. Também foi reduzido o volume máximo de recursos que uma mesma empresa poderá receber para viabilizar projetos: de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões.

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