O Estado de S. Paulo

Argentina entra em emergência alimentar

Governo do presidente Mauricio Macri quis evitar a medida que desvia recursos já escassos para programas sociais, mas mudou de estratégia e votou com a oposição em uma tentativa de tirar a questão da campanha para as eleições de 27 de outubro

- BUENOS AIRES

Deputados argentinos aprovaram projeto de lei de emergência alimentar, que estabelece um aumento mínimo de 50% do orçamento destinado a programas de alimentaçã­o este ano. O texto agora vai para o Senado. Ontem, milhares de manifestan­tes saíram às ruas em Buenos Aires para pedir a aprovação da medida.

A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou ontem por unanimidad­e – 222 votos a favor e uma abstenção – o projeto de lei de emergência alimentar, que estabelece um aumento mínimo de 50% do orçamento destinado a programas de alimentaçã­o este ano e, a partir do ano que vem, reajusta os recursos a cada três meses. O texto segue agora para o Senado.

A iniciativa havia sido apresentad­a pela oposição como medida paliativa para amenizar os efeitos da crise econômica, marcada pela desvaloriz­ação do peso e pela alta da inflação. “Estamos enfrentand­o o problema da fome, desnutriçã­o e uma queda acentuada de renda”, disse Daniel Arroyo, coautor do projeto e membro do partido do candidato peronista de centro-esquerda Alberto Fernández – favorito nas eleições de 27 de outubro.

Caso aprovada no Senado, a lei prorrogará até 31 de dezembro de 2022 a emergência que foi decretada em 2002, no governo de Eduardo Duhalde, um ano depois da crise de 2001. O decreto de Duhalde foi suspenso em 2016, sendo substituíd­o pela “emergência social”, que deve vigorar até dezembro. Com a lei aprovada ontem, o aumento das verbas para programas alimentare­s se realizaria por meio da realocação de 8 bilhões de pesos argentinos (US$ 135 milhões).

Ontem, milhares de manifestan­tes tomaram a Avenida 9 de Julho, uma das principais de Buenos Aires, para pedir a aprovação da medida. Antes da votação, congressis­tas receberam representa­ntes de várias organizaçõ­es sociais que pressionav­am para que o presidente Mauricio Macri aceitasse o estado de emergência alimentar.

O presidente, que está em plena campanha eleitoral e atrás nas pesquisas, vinha resistindo a qualquer projeto que permitisse redirecion­ar verbas de outras áreas de um governo já mergulhado na crise econômica. A mudança de estratégia da Casa Rosada ocorreu depois que o governo concluiu que seria melhor apoiar a lei e retirar o tema da campanha presidenci­al.

“Esta é uma lei que, pela temática urgente, conseguiu um consenso quase unânime. Não acho que seja uma derrota para Macri, mas sim uma oportunida­de de o Congresso colocar acordos acima das diferenças partidária­s. É uma situação de

política de nutrição e de emergência alimentar”, disse ao Estado Facundo Galván, professor de Ciências Políticas da Pontifícia Universida­de Católica da Argentina.

As últimas pesquisas apontam uma derrota de Macri ainda no primeiro turno. Em três sondagens divulgadas esta semana, Fernández e a sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, têm entre 51% e 53% das intenções de voto. O presidente vem bem atrás, com índices que variam de 32% a 35%. A vantagem dos peronistas é ainda maior do que a obtida nas primárias, realizadas em agosto.

Na Argentina, para vencer no primeiro turno, o candidato mais votado tem de superar os 45% dos votos ou ter mais de 40% e uma vantagem de 10 pontos porcentuai­s sobre o segundo colocado. Em um cenário econômico ruim, o resultado das primárias já havia provocado uma crise financeira em razão dos temores de que Fernández reinstaure controles rígidos sobre a economia.

Desde agosto, o peso argentino desvaloriz­ou mais de 20%, provocando um reaquecime­nto da inflação e aumentando o temor dos investidor­es de um retorno do populismo kirchneris­ta. Dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatístic­a e Censos da Argentina indicaram 4% de inflação no mês de agosto. Em julho, a inflação estava na marca de 2,2%.

A escalada da inflação é um sinal do empobrecim­ento crescente dos argentinos. O combate à pobreza era uma das promessas de campanha de Macri, em 2015. Quatro anos depois, os argentinos estão mais pobres. Segundo dados oficiais, a pobreza, que atingia 29% da população,

• 50% Aumentos será o aumento do número de refeitório­s populares

4,5% foi o aumento do preços dos alimentos em agosto

hoje afeta 32%.

A previsão até o final do ano é de que 38% da população argentina esteja vivendo na pobreza, 10% dela em nível de indigência. Segundo a ONU, Argentina, Bolívia e Venezuela são os países da América Latina em que a pobreza mais cresceu desde 2014. Por isso, a lei de emergência alimentar significav­a para Macri muito mais do que mexer no orçamento federal. Era também uma luta para deixar a fome de fora da campanha eleitoral.

Ontem, os deputados macristas ainda tentaram impedir a aprovação da lei, reforçando no Congresso o custo fiscal que teria a medida e argumentan­do que seria “redundante” avançar uma norma ao mesmo tempo em que está vigente há anos uma lei de “emergência social” que aborda ajudas alimentare­s semelhante­s. No fim, acabaram cedendo para tentar salvar a imagem do governo.

 ?? AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS ?? ‘Fome não’. Manifestan­tes protestam em Buenos Aires contra as medidas econômicas do presidente Macri e em favor da lei de emergência alimentar
AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS ‘Fome não’. Manifestan­tes protestam em Buenos Aires contra as medidas econômicas do presidente Macri e em favor da lei de emergência alimentar

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil