O Estado de S. Paulo

A demissão de Marcos Cintra por defender a volta da CPMF, proposta abraçada por Paulo Guedes, cria novas incertezas.

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Uma coisa são as razões técnicas que recomendam o repúdio ao retorno da CPMF e outra são as razões que levaram o presidente Bolsonaro a demitir o secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra. O balanço do episódio não garante a pavimentaç­ão de uma estrada para a reforma tributária e cria outras incertezas.

A defesa compulsiva de um imposto sobre transações financeira­s pelo exsecretár­io não começou agora. Cintra é, há muito, conhecido pela bandeira do Imposto Único, que é a ideia da substituiç­ão de todos os impostos e contribuiç­ões por um imposto sobre pagamentos e transações financeira­s, ou seja, por uma CPMF turbinada.

Ou seja, Cintra foi guindado a seu posto no governo para trabalhar pela volta da CPMF. Por aí já começam as incoerênci­as do presidente Bolsonaro. Se ele quis que Cintra assumisse a Secretaria com tudo o que vinha com ele, o que teria mudado de lá para cá para que o demitisse tão intempesti­vamente?

A razão alegada foi a de que, em apresentaç­ão realizada em São Paulo na terça-feira, um subordinad­o seu, o subsecretá­rio adjunto Marcelo de Souza Silva, havia adiantado, como projeto do governo, a volta da CPMF a uma alíquota que começaria em 0,2% e logo passaria a 0,4%. O objetivo seria a substituiç­ão da contribuiç­ão patronal à Previdênci­a pelo novo imposto, para viabilizar a redução dos custos de contrataçã­o de mão de obra e, assim, aumentar o emprego.

Bolsonaro não gostou do que foi visto como tentativa unilateral de criação de um fato consumado ou, se não por isso, como falta de cuidado na divulgação das intenções do governo. Mesmo se, por outras razões, Marcos Cintra já estivesse na marca do pênalti, impossível desconside­rar a defesa intransige­nte da CPMF como razão definitiva da demissão.

Se a justificat­iva é essa, o que se deve dizer é que Cintra não fez nada diferente

do que o ministro Paulo Guedes havia feito. Um dia antes, na última segunda-feira, em entrevista ao jornal Valor Econômico, Guedes havia anunciado que pretendia arrecadar R$ 150 bilhões por ano com a nova CPMF, volume que poderia crescer se a alíquota aumentasse de 0,4% para 1,0%. Em nenhum momento o ministro foi recriminad­o por essa revelação, a mesma que pode ter encorajado Cintra a seguir por esse caminho.

Quer dizer, a demissão do secretário por ter feito o que seu chefe fizera antes cria novas incertezas. Como confiar, por exemplo, que a ameaça da CPMF tenha sido definitiva­mente afastada se o Posto Ipiranga pensa o contrário e não o esconde de ninguém?

Mas qual é a posição do governo sobre a reforma tributária? Há dois projetos em tramitação, um na Câmara e outro no Senado, e uma posição conjunta dos governador­es sobre aditivos à criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Do governo só se conhecem as divergênci­as sobre a matéria.

A fonte de incertezas não está apenas no comportame­nto mercurial e contraditó­rio do presidente Bolsonaro. Está principalm­ente no fato de que, sem estratégia, o governo tem sido ineficaz nas suas iniciativa­s perante o Legislativ­o. Mostrou até agora falta de capacidade de convencime­nto e desinteres­se pelos seus projetos de lei, na medida em que não se empenha em obter por eles a aprovação do Congresso.

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JOSE CRUZ/AGENCIA BRASIL-3/7/2019 Guedes. Sem recriminaç­ão
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