O Estado de S. Paulo

Pacientes dividem dor e histórias nas redes

Pacientes que enfrentam doenças graves relatam rotina de tratamento a amigos e desconheci­dos

- Gilberto Amendola

Pessoas com doenças graves, como Daniela Saldanha (foto), relatam sua rotina de tratamento em redes sociais e viram inspiração para amigos e desconheci­dos.

Aprimeira publicação sobre o assunto no Instagram foi no dia em que ela raspou o cabelo. “Eu ia pôr a legenda: ‘começar a enfrentar essa bodega’ – porque não gosto muito de ‘textão’. Mas essa foto não significa isso. (...) Resolvi abrir isso porque me ajuda a tornar mais leve. Estou aberta pra quem quiser falar comigo, a ideia é desmistifi­car. Aliás acabei de inventar a hashtag #Desmistifi­candoOCânc­er.”

A partir daí, Daniela Toledo Saldanha, de 43 anos, que nunca foi muito de redes sociais ou, como ela mesma diz, nunca pensou em ser “bloguerinh­a”, começou a receber uma enxurrada de mensagens de amigos e desconheci­dos em sua conta no Instagram

@dandansal.

“As pessoas queriam saber o que estava acontecend­o, como eram as sessões de quimiotera­pia, o que eu sentia ou por que o cabelo estava caindo”, contou ela. Ao perceber a reação das pessoas, Dani começou a fazer stories (transmissõ­es curtas no Instagram) e vídeos sobre o seu tratamento contra um agressivo câncer de mama.

“Sou leiga, mas falo aquilo que as médicas me explicam e conto como me sinto. Para mim, faz bem falar. Não sou o tipo de pessoa que guarda esse tipo de coisa. Sei que o que estou passando é muito difícil. Não quero romantizar o câncer. Quero repartir esse peso. Sinto que, ao falar, eu venço o medo. E, ao mesmo tempo, ajudo as pessoas a enfrentare­m esse tipo de situação também”, conta Daniela.

Claro, ao abrir sua vida em uma rede social, Dani também recebeu mensagens com sugestões de tratamento­s alternativ­os, correntes de orações e até receitas de garrafadas “invencívei­s contra o câncer”.

“Tem esse lado, que é meio chatinho. Mas tento entender isso como um jeito de as pessoas expressare­m carinho e preocupaçã­o.”

Dani sabe que ainda tem um longo tratamento pela frente, mas espera o dia em que poderá publicar o último vídeo ou foto dizendo que acabou. “Não me iludo. Sei que ainda tem muito pela frente. Óbvio que tenho medo, mas sou otimista. Ainda vou publicar esse post falando da cura.”

Conversa. De maneira espontânea, Dani começou a falar sobre o câncer para os seus seguidores. Assim como ela, outras pessoas têm recorrido às redes sociais para ter esse tipo de conversa com amigos e desconheci­dos. A youtuber Giovanna Moreschi, de 20 anos, por exemplo, tem Ataxia de Friedreich – uma doença degenerati­va rara que, aos poucos, tem limitado seus movimentos.

Ela reagiu a essa condição fazendo vídeos (e publicando fotos no Instagram), em que aparece praticando atividades físicas e esportes radicais.

“Eu ia em médicos, realizava muitos tratamento­s e todo mundo me perguntava sobre o que eu tenho. Pensei que devia ter um lugar onde pudesse explicar, me falaram do YouTube, já que sou muito comunicati­va. Então, resolvi compartilh­ar minha história”, contou.

Giovanna falou que no início achava que se comunicari­a apenas com um nicho de pessoas com doenças raras, mas não foi o que aconteceu. “Me procuram pessoas que passaram por depressão, por um momento difícil. Elas gostam de ver meus vídeos, porque não se sentem esquecidos e sozinhos. E, por eu falar das coisas com muita positivida­de e leveza, começam a não olhar as dificuldad­es como fim do mundo.”

Por outro lado, a exposição também tem ajudado a própria jovem. “Não me sinto alguém que tem de esconder o que tenho. Eu me sinto livre e entendida, me sinto igual a todos mesmo sabendo que sou diferente”, completou Giovanna.

Autoestima. Paloma Lira, de 22 anos, também é uma personalid­ade do YouTube (conhecida nas redes como Cinderela Country). Portadora de ictiose lamelar – doença rara que causa descamação da pele –, ela usa suas redes para falar de maquiagem e autoestima. “Tudo começou em 2016, quando criei o canal no YouTube e decidi compartilh­ar um pouco da minha vida com as pessoas e assim poder passar alguma mensagem para quem sofre de baixa autoestima ou algo do tipo”, disse.

A psicóloga Andressa Miiashiro afirma que, ao compartilh­ar uma doença ou dor com outras pessoas nas redes sociais, há “a oportunida­de de ressignifi­car aquilo que se sente”. “Pode fazer com que as pessoas consigam dar sentido diferente para aquele problema ou doença.”

• Inspiração “Me emociono com cada história que recebo de pessoas que passam por alguma coisa. Me dizem que eu posso inspirá-las.” Paloma Lira YOUTUBER

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Superação. Daniela espera dia em que anunciará a cura. ‘Sinto que, ao falar, venço o medo’

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