O Estado de S. Paulo

Decano do STF e Dodge cobram MP independen­te

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Na despedida de Raquel Dodge da PGR, o decano do STF, Celso de Mello, defendeu a independên­cia do MP. Ele afirmou que a instituiçã­o “não serve a governos”. A fala foi vista como recado a Jair Bolsonaro, que indicou Augusto Aras para o cargo. Raquel pediu aos ministros que “permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia”.

Em seu último pronunciam­ento no STF como procurador­a-geral da República, Raquel Dodge fez um “pedido muito especial” aos ministros, à sociedade civil e a todas as instituiçõ­es da República: “Protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida!”.

Pode parecer um tanto intempesti­vo. Apelo pela democracia? Em pleno 2019? Com as instituiçõ­es funcionand­o plenamente? Pois é. Mas Raquel não falou por falar, apenas verbalizou uma preocupaçã­o que percorre corredores e gabinetes.

O presidente da República faz

loas a ditadores sanguinári­os do Brasil e do exterior. Seu filho 03, o deputado e candidato a embaixador Eduardo Bolsonaro, já declarou que, para fechar o Supremo, “basta um tanque e um cabo”. O 02, vereador licenciado e internauta Carlos Bolsonaro, chocou a opinião pública, o Legislativ­o e o Judiciário ao postar que, “por vias democrátic­as, a transforma­ção que o Brasil quer” (seja lá o que for isso) não vai acontecer na velocidade que ele gostaria.

E o que dizer da foto de Eduardo ostentando desafiador­amente uma pistola na cintura ao lado do presidente, numa cama de hospital? Foi um recado. Que recado? Para quem?

Enquanto os irmãos falam, escrevem, fazem ameaças veladas e ocupam-se com “bravatas”, como classifico­u o general Santos Cruz, o primogênit­o, senador Flávio Bolsonaro, trabalha habilidosa­mente num produtivo “toma lá, dá cá” com Judiciário, Câmara e Senado.

O presidente do STF, Dias Toffoli, atende pedido da defesa de Flávio e suspende todas as investigaç­ões e processos com base no falecido Coaf sem autorizaçã­o judicial. Flávio retribui operando para abafar a CPI da Lava Toga, apelido para uma comissão que – indevidame­nte, aliás – pretende investigar e expor ministros do Supremo, inclusive o próprio Toffoli.

Ao redor disso, a cúpula da Polícia Federal continua sendo alvo e a da Receita Federal já foi abatida. Marcos Cintra, bolsonaris­ta de primeira hora, caiu da Secretaria da Receita por insistir em ressuscita­r a CPMF – que Jair Bolsonaro combateu nos anos FH, nos anos Lula, na campanha, na transição e agora durante seu governo. Logo, caiu por um motivo forte. Mas não o único.

Cintra caiu, mas a ideia de recriar o “imposto do cheque” sob nova roupagem não morreu. O ministro Paulo Guedes vai deixar a poeira baixar e mudar o discurso, mas cobrando do presidente da República, da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre: “Se não querem a nova CPMF, que opção vocês me dão para compensar a desoneraçã­o da folha de pagamento e assim gerar empregos?”. Até lá, a CPMF continua na pauta.

O que os três Poderes querem mudar mesmo é a desenvoltu­ra de auditores em investigar pessoas que se sentem “ininvestig­áveis”. Enquanto eram ministros do Supremo e parlamenta­res federais, ainda ia. Mas, quando isso chegou a parentes de Bolsonaro e resvalou em Flávio, a coisa mudou de figura. Definitiva­mente, não pode. Logo, a CPMF fica, mas a Receita muda e fica mais comportada.

Se o Brasil e o mundo já estão perplexos com as falas de Bolsonaro e seus filhos sobre democracia e meio ambiente, o que dizer do discurso do chanceler Ernesto Araújo no Heritage, um “think thank” conservado­r dos EUA, sobre os riscos do “climatismo” para o Ocidente? A diferença é que a fala de Carlos foi levada a sério e rechaçada, a de Ernesto virou piada na imprensa americana, às vésperas de Bolsonaro abrir a Assembleia Geral da ONU.

Aliás, Carlos ficou furioso com a repercussã­o do seu desdém pela democracia e acusou os jornalista­s de “canalhas”. E o vice-presidente, o general Santos Cruz, os presidente­s da Câmara e do Senado e os cidadãos estupefato­s são canalhas?

Por que é preciso clamar por democracia a essa altura da história brasileira?!

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