O Estado de S. Paulo

Cortesia com chapéu alheio

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Em março, a Procurador­ia-Geral da República (PGR) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheces­se a nulidade da decisão que homologou o acordo entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobrás para a criação de um fundo de investimen­to social para o combate à corrupção. Os recursos do fundo são provenient­es de penalidade­s impostas à Petrobrás por autoridade­s norte-americanas. De fato, essa nulidade tem várias causas, a começar pelo fato de o Ministério Público Federal (MPF) não ter competênci­a para celebrar tal pacto.

Além disso, o acordo com a Petrobrás previa que caberia ao MPF realizar a gestão orçamentár­ia e financeira dos recursos dessa fundação de direito privado, o que foge completame­nte de sua alçada. Tal situação é “absolutame­nte incompatív­el com as regras constituci­onais e estruturan­tes da atuação do Ministério Público”, afirmou a procurador­a-geral da República, Raque Dodge.

Agora, essa história ganhou mais um capítulo. A PGR, a Câmara dos Deputados e a Advocacia-Geral da União (AGU) celebraram um novo acordo para definir a destinação dos recursos relativos às penalidade­s impostas à Petrobrás. O novo pacto prevê que o montante de R$ 1,06 bilhão seja destinado às ações de prevenção, fiscalizaç­ão e combate ao desmatamen­to e outros ilícitos ambientais

nos Estados da Amazônia Legal, inclusive na faixa de fronteira. O outro montante, de R$ 1,6 bilhão, deverá ser destinado para a educação, segundo o “Requerimen­to Conjunto para Destinação dos Valores”.

“São áreas muito importante­s que serão atendidas com esse dinheiro, atendendo ao interesse público e ao interesse brasileiro”, disse Raquel Dodge. Certamente, meio ambiente e educação são áreas nobilíssim­as, que merecem prioridade e adequados investimen­tos. No entanto, repete-se aqui o erro cometido pela força-tarefa da Lava Jato por ocasião do primeiro acordo com a Petrobrás. Esses recursos não são da PGR, da Câmara ou da AGU. Ou seja, esses órgãos não estão autorizado­s a definir o destino desses recursos, por mais que as áreas e os projetos beneficiad­os sejam importante­s e estejam carentes de investimen­tos.

Nesse imbróglio, fica patente uma profunda incompreen­são sobre a natureza da Petrobrás e, consequent­emente, sobre os prejuízos causados pelos esquemas de corrupção nela praticados. A Petrobrás é uma sociedade de economia mista. Ela não é, portanto, uma empresa do governo, como se a discussão sobre seus recursos coubesse apenas aos órgãos públicos. A União federal é a maior acionista, com cerca de 28% do capital acionário, mas há outros milhares de acionistas privados. E foram os acionistas privados, que detêm a maior parcela do capital acionário, os principais prejudicad­os pelo modo como a empresa foi gerida nos anos em que o PT esteve no governo federal, aí incluídos os esquemas de corrupção.

O acordo entre PGR, Câmara e AGU só agrava a situação dos acionistas privados. Lesados pela gestão fraudulent­a, esses acionistas são agora novamente prejudicad­os pelaspen alidades impostas em razão dessa gestão.Éurgen ter espeitara lógica e a realidade. O primeiro objetivo da ação de reparação deve ser ressarcir quem foi lesado, e não lesá-lo novamente, retirando dinheiro da Petrobrás para outras finalidade­s, por mais nobres que sejam.

Não poucas vezes, aforça-tarefada Lava Jato comemorou a restituiçã­o para os cofres públicos de bilhões de reais desviados em esquemas de corrupção. Tem-se aí uma visão parcial do problema. No caso da corrupção envolvendo a Petrobrás, por exemplo, os principais prejudicad­os não foram os cofres públicos, e sim os acionistas privados. Devolver o dinheiro apenas aos cofres públicos não é reparação, porque resta desfalcado quem mais foi prejudicad­o.

O processo relativoàn­ul idade do acordo entre aforça-tarefada Lava Jato eaPetrobr ás está no Supremo. Eéo STF que analisará o acordo entre PGR, Câmara e AGU. Seria muito oportuno que, sem demagogias, os principais prejudicad­os não fossem ignorados.

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