O Estado de S. Paulo

Independên­cia é princípio básico

- Carlos Ari Sundfeld ✽ É PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP

OMinistéri­o Público Federal está sob ameaça política? Pensar nisso, e ficar atento, tornou-se bem importante nos últimos meses. É desastroso para a democracia, para os interesses gerais e para a luta contra a corrupção que procurador­es sejam intimidado­s ou cooptados pelo poder político, pelo poder econômico ou pelo crime organizado.

Independên­cia institucio­nal é princípio básico. Precisamos dessa independên­cia inclusive na luta contra os monstros de nosso passado. Há certamente exagero na visão corporativ­a de que, na escolha do procurador-geral da República, tanto o presidente da República como o Senado Federal teriam de ficar vinculados a uma lista tríplice feita à margem da lei por uma associação de classe.

É correto que os poderes legítimos escolham o novo procurador-geral seguindo a lei, sem serem constrangi­dos pelas preferênci­as da corporação de procurador­es. Além disso, não há mal em que procurador­es sejam muito fiscalizad­os e criticados por seus erros e abusos.

Raquel Dodge, que agora se despede, teve momentos melhores e piores – e é necessário discuti-los. Ninguém é infalível ou pode estar acima da lei. Mas há sim razões para receio.

Autoridade­s políticas relevantes, a começar do presidente da República, flertam com o autoritari­smo e sugerem em voz alta que querem submissão, nada menos. Diante disso, ao menos uma manifestaç­ão clara precisava vir do Supremo Tribunal Federal.

Foi importante que, ontem, o alerta viesse na voz do decano Celso de Mello, que nos momentos-chave tem simbolizad­o o consenso de todo o mundo jurídico em torno de princípios inegociáve­is. A advertênci­a contra as tentações de “onipotênci­a” foi necessária e oportuna. Esse discurso tem de ficar ecoando sobre nossas autoridade­s afoitas. Não só as do Executivo e do Legislativ­o, também do Judiciário e do próprio ministério público.

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