O Estado de S. Paulo

Incêndio em hospital no Rio mata 11, todos idosos; maioria sofreu asfixia

Equipament­os aos quais muitas vítimas estavam ligadas deixaram de funcionar. Há relatos de fogo em centros médicos de 13 Estados e em três se investigam problemas elétricos ou curtos, como no Badim. Legislaçõe­s estaduais e federais estão em atualizaçã­o

- / FÁBIO GRELLET, BIANCA GOMES, CAIO SARTORI, CIRO CAMPOS, FABIANA CAMBRICOLI, MARCIO DOLZAN e VINÍCIUS NEDER

O incêndio que atingiu anteontem o Hospital Badim, no Maracanã, zona norte do Rio, deixou 11 mortos. As vítimas – quatro mulheres e sete homens – eram todas idosas. Só neste ano, houve mais de 20 casos de fogo em centros médicos e legislaçõe­s estaduais e nacionais ainda estão em atualizaçã­o.

Segundo o Instituto MédicoLega­l, a maioria dos óbitos foi por asfixia. E os equipament­os aos quais muitas vítimas estavam ligadas deixaram de funcionar com o fogo. “Houve descompens­ações das doenças que as pessoas tinham”, disse a diretora do IML, Gabriela Graça.

Pacientes tiveram de ser removidos emergencia­lmente para a rua, assim que se constatou o incêndio, que se suspeita teve início em um curto-circuito no gerador no subsolo de um dos prédios do complexo, por volta das 18 horas de anteontem. Acompanhan­tes se queixaram do atendiment­o de funcionári­os e de agentes públicos, mas o diretor médico Fábio Santoro disse que não houve casos de truculênci­a ou incidentes.

Dos 103 pacientes internados, 77 foram transferid­os para outros 12 hospitais e 15 foram para casa. Além disso, pelo menos 20 funcionári­os do local – que é associado da Rede D’Or – e acompanhan­tes de pacientes acabaram internados.

Por causa do calor e da fumaça que ainda estavam no edifício, o delegado titular da 18.ª DP, Roberto Ramos, evitou dar ontem um prazo para conclusão da investigaç­ão e da perícia. Testemunha­s e funcionári­os já começaram a ser ouvidos. Pela prefeitura, o local está totalmente regulariza­do. A Defesa Civil interditou, por motivos de segurança, o complexo médico e quatro imóveis no entorno.

Segurança. A área de um hospital onde ficam os geradores deve ter estrutura que a isole das outras alas do edifício em caso de incêndio e resista ao fogo e à fumaça por duas horas. É o que estabelece regulament­ação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo a norma, os prédios dos hospitais devem ser divididos em compartime­ntos, ou seja, setores preparados para tolerar o incêndio sem que ele se expanda. “São como caixas de sapato pelas quais o fogo, a fumaça e a temperatur­a não passam”, explica Marcos Kahn, engenheiro especialis­ta em segurança contra incêndio e diretor administra­tivo da Associação Brasileira para o Desenvolvi­mento do Edifício Hospitalar.

Desde o início do ano, houve ao menos 21 registros de incêndio em centros hospitalar­es de 13 Estados. São três casos no Rio: no Infantil Ismélia da Silveira, de Duque de Caxias; na Santa Casa da Misericórd­ia, de Campos dos Goytacazes; e no Sanatório Oswaldo Cruz, em Petrópolis. Entre os relatos do País, em pelo menos três casos se suspeita de problemas elétricos ou de curto-circuito – no Universitá­rio Oswaldo Cruz, no Recife (PE), no Infantil de Vitória (ES) e no Regional de Taguatinga (DF).

Até o começo deste mês, o Estado do Rio seguia um Código de Segurança Contra Incêndio de 1976 que, ao longo dos anos, foi remendado com aditamento­s pouco claros, segundo especialis­tas ouvidos pelo Estado. A “colcha de retalhos” foi substituíd­a por um novo código cujo decreto, apesar de publicado em dezembro de 2018, passou a valer há apenas nove dias. “A nova legislação elevou as condições mínimas de proteção contra incêndio”, observou Kahn. Mas a implementa­ção da legislação ainda pode demorar anos.

No Brasil, não há uma legislação federal de incêndio e cada Estado tem autonomia para estabelece­r a própria, explica o diretor do Instituto Sprinkler Brasil, Marcelo Lima. “Após o episódio da Boate Kiss (2013), muitos Estados começaram a atualizar os códigos, tendo como base a legislação de São Paulo.”

Em abril, dois meses após o incêndio no Ninho do Urubu (centro de treinament­o do Flamengo no Rio) e sete meses após o fogo destruir o Museu Nacional, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou a norma NBR 16.651, que estabelece requisitos de proteção contra incêndio. “Ela é pioneira no setor e tem como objetivo minimizar os riscos”, explicou Roberto Ramos, coordenado­r dos estudos da norma.

Segundo Emerson Baranoski, mestre em engenharia civil e major da reserva do Corpo de Bombeiros do Paraná, a principal mudança do novo código fluminense para o de 1976 é a inclusão do conceito da proteção passiva de segurança contra o incêndio. “Se as edificaçõe­s vierem a ter o incêndio, a ideia é que a propagação seja minimizada em função do maior controle do tipo de material de acabamento e revestimen­to da edificação”, afirmou. “Outro aspecto abordado foi a compartime­ntação.”

Para Kahn, mesmo assim os hospitais estão entre os imóveis mais negligenci­ados em relação à proteção contra incêndios. “A falsa crença de que ‘não pega fogo’ aliada à impunidade e à certeza de que os bombeiros não vão fechar um lugar que não esteja em risco iminente contribuem para essa negligênci­a.”

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FOTOS: WILTON JUNIOR/ESTADÃO 1. Prefeitura diz que local estava 100% regulariza­do; publicado em dezembro, o novo código de incêndio do Rio só passou a valer há 9 dias
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2. Quatro imóveis no entorno acabaram interditad­os pela Defesa Civil
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3. Enterros já começaram a ser feitos; pelo menos 20 ficaram feridos

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