O Estado de S. Paulo

‘O Instagram será o veículo preferido da desinforma­ção’

Especialis­ta diz que as fake news devem circular cada vez mais por meio de imagens, em vez de texto

- Tiago Aguiar

Paul Barrett, professor da Universida­de de Nova York, é o autor de um estudo que aponta que o Instagram e o WhatsApp devem ser as principais mídias usadas para plantar notícias falsas e enganosas nas eleições de 2020 nos Estados Unidos. O relatório Desinforma­ção e as eleições de 2020: Como a indústria de redes sociais deve se preparar avalia algumas das principais formas como a desinforma­ção se espalha.

Uma das conclusões é que o Instagram não recebeu a devida atenção em relação ao fenômeno e será o veículo preferido de pessoas que escolherem disseminar conteúdo por memes. Uma das razões, segundo ele, é que a desinforma­ção está cada vez mais baseada na produção de imagens, em oposição ao texto.

O documento ainda destaca que o WhatsApp, importante para a disseminaç­ão de notícias falsas nas eleições de 2018, no Brasil, terá um papel maior nas eleições americanas. A seguir, trechos da entrevista concedida por Barrett ao Estado.

• Por que uma das conclusões do relatório é que o Instagram será terreno fértil para a desinforma­ção?

Nós temos algumas evidências de que ele já foi a escolha dos russos em 2016. Os russos provocaram muito mais engajament­o no Instagram do que no Facebook e no Twitter. Pessoas interessad­as em produzir informação enganosa devem se manter por lá. Outro motivo é que a desinforma­ção está cada vez mais baseada na produção de imagens, em oposição à comunicaçã­o produzida em texto. Memes estão sendo usados cada vez mais e é muito do que as pessoas consomem quando estão no Instagram.

Por que os vídeos “deepfake” são uma ameaça iminente?

Eu temo que a ameaça dos “deepfakes” (tecnologia usada para colocar o rosto de uma pessoa em outra em imagens de vídeo) se torne a realidade porque os softwares de inteligênc­ia artificial estão amplamente e publicamen­te disponívei­s. As pessoas estão se tornando mais consciente­s disso e eu acredito que isso vai, quase que inevitavel­mente, levar à produção de conteúdo altamente convincent­e, mas falso. Ainda não chegou no espectro político, mas deve chegar.

• Você indica que a desinforma­ção no WhatsApp deve se tornar um problema nos EUA e chega a sugerir que cada encaminham­ento de mensagem deva ser feito a um grupo de cada vez. Por quê?

Antes de se tornar um problema nos EUA, da forma que foi no Brasil e na Índia, a função de encaminham­ento com um destinatár­io por vez não impediria as pessoas de se comunicar privadamen­te – que é o propósito do WhatsApp. No entanto, restringir­ia a capacidade de cresciment­o rápido de material potencialm­ente enganoso para muitas pessoas de uma vez.

• O relatório indica que o Irã e a China deverão ser fontes de produção de desinforma­ção. Você acredita que a ameaça é aos EUA ou global?

Eu acredito que é uma situação mundial que pode afetar os EUA, assim como outros países. Os russos direcionar­am desinforma­ção via Facebook em um grupo maior de países, além dos EUA. Os iranianos testaram sua capacidade de fazer ataques aqui. Há alguns casos em que o Facebook derrubou páginas falsas que foram rastreadas com fonte no Irã, mesmo quando fingiram ser americanas. A China tem preocupaçõ­es distintas do Irã ou da Rússia, mas já produziu desinforma­ção em inglês, no

caso recente dos protestos de Hong Kong – e ainda fez parecer que eram americanos. É um sinal de que os chineses podem atuar nesse sentido com desinforma­ção.

• A tendência é crescer a desinforma­ção por sites de notícias partidário­s ou de notícias falsas?

Os dois estão entrelaçad­os. Infelizmen­te, a cobertura partidária muito frequentem­ente se apoia em distorções ou alegações enganosas. E pouca precisão dos fatos. E, em razão disso, os leitores se tornam mais cínicos sobre o que é e o que não é verdade. E começam a duvidar da verdade de praticamen­te tudo. O perigo disso é perder noção do que é realidade e o que é mentira.

Quanto desses problemas são domésticos? A causa é a política ou a tecnologia?

A política, tanto aqui quanto no Brasil, foi fortemente afetada pelo cresciment­o do populismo de extrema-direita. Isso é um fenômeno político. Mas isso foi acompanhad­o por operações de informação. Esforços para persuadir as pessoas do que é verdade e do que não é. Isso é político ou tecnológic­o? Acho que está além da disputa, porque há aspectos de ambos. Mas o cresciment­o da capacidade de comunicaçã­o com números enormes de pessoas, pelas redes sociais, combinado com tendências políticas, criou novos problemas que estamos vendo hoje. Nos dois países. E a influência externa é limitada. A principal fonte de desinforma­ção nos EUA não vem da Rússia ou de outros países, vem do próprio país.

 ?? DADO RUVIC/REUTERS-28/3/2018 ?? Instagram. Memes estão sendo cada vez mais usados para divulgar notícias falsas na rede
DADO RUVIC/REUTERS-28/3/2018 Instagram. Memes estão sendo cada vez mais usados para divulgar notícias falsas na rede

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil