O Estado de S. Paulo

MP do Rio defende foro especial para Flávio Bolsonaro

Soraya Gaya diz que crimes investigad­os no caso Queiroz teriam sido cometidos quando filho do presidente era deputado estadual

- Caio Sartori / RIO Ricardo Galhardo COLABOROU RICARDO BRANDT /

A procurador­a do Ministério Público do Rio Soraya Gaya deu parecer favorável para que o senador Flávio Bolsonaro tenha direito a foro especial na investigaç­ão sobre prática de “rachadinha” na época em que era deputado. Se a 3.ª Câmara Criminal acatar o pedido da defesa endossado pelo MP, o processo sairá da alçada do juiz Flávio Nicolau, que tem fama de linha-dura.

A procurador­a Soraya Taveira Gaya, do Ministério Público do Rio, deu parecer favorável para que o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) tenha direito a foro especial na investigaç­ão que apura práticas de peculato, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa em seu gabinete na época em que era deputado estadual. O pedido feito pela defesa do filho do presidente Jair Bolsonaro alega que o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27.ª Vara Criminal, não tem competênci­a para julgar o caso, já que o parlamenta­r teria direito a foro especial porque tinha mandato na Assembleia Legislativ­a do Estado quando os fatos ocorreram.

O habeas corpus deve ser julgado até o início do mês que vem na 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, conforme apurou o Estado. Os cinco magistrado­s do colegiado vão decidir se o caso será ou não encaminhad­o para o Órgão Especial, composto por 25 desembarga­dores – os 13 mais antigos e 12 eleitos pelo tribunal. A relatoria é da desembarga­dora Monica Tolledo de Oliveira.

A procurador­a que assinou o parecer pertence à segunda instância e não faz parte do grupo de investigad­ores que analisava os dados de Flávio. Na manifestaç­ão, obtida pela TV Globo, Soraya Gaya diz que Flávio, “em tese, teria cometido crimes supostamen­te escudado pelo mandato que exercia à época, sendo o mesmo filho do atual presidente da República, o que faz crescer o interesse da nação no desfecho da causa e em todos os movimentos contrários à boa gestão pública”.

Ainda segundo a procurador­a, “a autoridade apontada como coatora (o juiz Flávio Itabaiana) tem carregado um grande fardo nos ombros, sendo certo que não podemos trazer a nós, de forma isolada, tanta responsabi­lidade sem partilhar com nossos pares”. “Nem Cristo carregou sua cruz sozinho”, afirmou Soraya no parecer.

Em abril, promotores do Grupo de Atuação Especializ­ada no Combate à Corrupção (Gaecc) pediram a quebra de sigilo de Flávio, de seu ex-assessor Fabrício Queiroz e de outras dezenas de pessoas ligadas ao gabinete do então deputado estadual e empresas no período de janeiro de 2007 a dezembro do ano passado. A quebra foi autorizada pelo juiz da 27.ª Vara Criminal.

A investigaç­ão está paralisada há pouco mais de dois meses, após o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, acatar pedido da defesa de Flávio e suspender processos em todo o País em que houve o compartilh­amento de dados da Receita Federal, do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf) – hoje Unidade de Inteligênc­ia Financeira – e do Banco Central com o Ministério Público sem uma prévia autorizaçã­o judicial.

‘Nulo’. Caso o foro especial para Flávio seja concedido, defensores do senador e de Queiroz – suspeito de ser operador de um esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual – acreditam que poderão anular decisões de Itabaiana, que tem fama de linha dura. “Se um juiz é considerad­o incompeten­te, tudo o que ele fez até agora é nulo. Tem que começar tudo do zero”, disse o advogado Frederick Wassef, responsáve­l pela defesa de Flávio.

A defesa de Queiroz tem um habeas corpus que pode ser pautado a qualquer momento na 3.ª Câmara Criminal pelo relator, desembarga­dor Antonio Carlos Nascimento Amado. O advogado Paulo Klein pede que a quebra dos sigilos bancário e fiscal de seu cliente seja suspensa pelo colegiado.

Esses dois pedidos que questionam a legalidade da quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e de outras 83 pessoas e nove empresas ligadas a eles são relatados pelo desembarga­dor Antonio Carlos Nascimento Amado. O magistrado já negou, de forma monocrátic­a, em duas ocasiões, argumentos do senador. Em outra oportunida­de, refutou também o que alegava a defesa de Queiroz.

Segundo Wassef, a determinaç­ão do juiz de primeira instância tinha como objetivo dar legalidade à violação dos dados de Flávio que, de acordo com o advogado, ocorreu quando o Coaf forneceu ao Ministério Público dados referentes às movimentaç­ões bancárias do senador.

“A quebra de sigilo bancário e fiscal (determinad­a por Itabaiana) é, na verdade, um mecanismo para contornar as ilegalidad­es anteriores”, disse Wassef. “Mas, independen­temente do resultado, o fato de somente agora terem determinad­o as quebras não vai legalizar as irregulari­dades do passado.”

O advogado afirmou que, além da manifestaç­ão favorável do MP-RJ, a defesa do senador aguarda o julgamento, pelo plenário do Supremo, da liminar de Toffoli que suspende investigaç­ões que tenham como base dados do Coaf. “Se o STF confirmar a decisão do ministro Toffoli, vai decidir pela nulidade da investigaç­ão e a defesa vai pedir o arquivamen­to do PIC (procedimen­to de investigaç­ão criminal)”, declarou Wassef.

Apuração. Os promotores investigam se os supostos crimes teriam sido praticados por Flávio quando ele era deputado estadual, cargo que ocupou entre 2003 e 2019. A investigaç­ão do Ministério Público do Rio teve início com relatórios fornecidos pelo antigo Coaf que identifica­ram “movimentaç­ões atípicas” na conta de Queiroz, como revelou o Estado em dezembro do ano passado. Queiroz seria o operador dos supostos crimes praticados no gabinete.

A sequência de vitórias, no Supremo e na esfera estadual, se dá num contexto em que, em Brasília, Flávio age para barrar a instauraçã­o da CPI da Lava Toga, que investigar­ia o Judiciário. O filho de Bolsonaro tem atuado nos bastidores para impedir o que poderia representa­r uma crise entre os Poderes.

Antes da decisão de Toffoli, porém, a defesa do senador acumulava derrotas no Rio. Em duas ocasiões, o desembarga­dor Antonio Carlos Nascimento Amado negara habeas corpus – o caso seria analisado pelo colegiado da 3.ª Câmara Criminal, da qual Amado é presidente, no dia em que Toffoli barrou as investigaç­ões. A defesa de Queiroz também havia tido habeas corpus negado por Amado.

‘Começar do zero’

“Se um juiz é considerad­o incompeten­te, tudo o que ele fez até agora é nulo. Tem que começar tudo do zero.” Frederick Wassef

ADVOGADO DE FLÁVIO BOLSONARO

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