O Estado de S. Paulo

A insensibil­idade da Justiça

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STJ tomou duas medidas que devem aumentar ainda mais as despesas do Judiciário.

Apesar da gravidade da crise fiscal, que vem levando as autoridade­s econômicas a estudar formas de reduzir a jornada de trabalho e os vencimento­s do funcionali­smo público, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou duas medidas que devem aumentar ainda mais as despesas do Judiciário com folha de pagamento e gastos de custeio – isso sem falar na necessidad­e de construção de sedes e de aquisição de frotas de automóveis oficiais.

A primeira medida foi a aprovação de uma minuta de projeto de lei que prevê a criação de um Tribunal Regional Federal (TRF) em Belo Horizonte, com 18 desembarga­dores. Atualmente, há cinco TRFs em funcioname­nto no País. A segunda medida foi a aprovação de outra minuta que prevê a criação de mais 54 cargos de desembarga­dor. As novas vagas resultam da transforma­ção de cargos de juiz federal substituto em cargo de desembarga­dor. Ao justificar mais gastos num período de escassez de recursos, alguns ministros do STJ falaram em “choque de gestão” e disseram que “a época é para avanços”. Outros disseram que a quantidade de demandas é maior do que a capacidade de julgamento da Justiça Federal.

O desprezo com relação à realidade orçamentár­ia do Estado, por parte do STJ, não é novo. Há mais de uma década, entidades de juízes federais vêm pleiteando a criação de quatro novos TRFs – um deles em Minas Gerais. As pressões foram tão grandes que, em 2013, a Câmara e o Senado aprovaram a Emenda Constituci­onal n.° 73, que autoriza a instalação dessas cortes. Na época, porém, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, classifico­u como perdulário­s os gastos com o aumento do número de TRFs e baixou liminar suspendend­o a validade dessa emenda. Também acusou as entidades de juízes federais de agirem de “modo sorrateiro”, com o objetivo de criar novos cargos de desembarga­dor para que mais membros da corporação ascendesse­m a postos mais altos e com vencimento­s maiores. A liminar de Barbosa até hoje não foi julgada pelo plenário do STF.

Além da sensatez do presidente do STF, o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) divulgou na época um estudo refutando os argumentos dos defensores da expansão da malha de TRFs. O órgão alegou que eles não descongest­ionariam a Justiça Federal, pois o gargalo não está no número de Cortes, mas na falta de produtivid­ade dos juízes. Em vez de se preocupar em promover a expansão física da Justiça Federal, a instituiçã­o deveria modernizar seus sistemas e métodos, concluía o estudo. Por seu lado, a FGV Direito Rio divulgou um levantamen­to mostrando a incapacida­de da Justiça Federal de utilizar de forma racional o espaço físico de que dispõe. Também afirmou que, com a criação de novos TRFs, um juiz federal teria em média duas vezes mais chances de ser desembarga­dor. Os dois estudos deixaram claro que a expansão da Justiça Federal era um “caso de desperdíci­o de dinheiro público”.

Em mais uma demonstraç­ão cabal de insensibil­idade, o STJ ignorou esses argumentos e voltou a insistir na criação de novos TRFs, começando pelo de Minas Gerais. Segundo o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, não haverá aumento de custo porque a nova corte aproveitar­á os servidores da instituiçã­o no Estado. O que é uma forma indireta de dizer que a instituiçã­o tem capacidade ociosa, em matéria de recursos humanos – uma prova de que não é bem gerida. Também afirmou que, como os cargos de desembarga­dores virão da transforma­ção dos cargos de juízes substituto­s, os salários já estão previstos no orçamento anual – outro argumento inconvince­nte.

Neste momento em que o Estado brasileiro enfrenta a maior crise fiscal de sua história, em que os litígios cada vez mais são resolvidos por arbitragem e os novos mecanismos processuai­s impedem a ascensão a tribunais de segunda instância de conflitos corriqueir­os, a pretensão do STJ é descabida. Resta esperar que o Congresso rejeite os projetos de lei que a Corte enviará. E, se ele ceder às pressões, aprovandoo­s, é preciso que o presidente da República tenha a coragem de vetá-los.

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