O Estado de S. Paulo

Livros para ouvir

Após e-books, agora é a vez dos audiobooks.

- Maria Fernanda Rodrigues

Por alguns anos até 2013, editores do mundo todo chegavam um dia mais cedo à Feira do Livro Frankfurt para tentar entender, na conferênci­a TOC (Tools of Change), como seria o mercado dali para a frente. O futuro, era certo, seria digital – só era preciso aprender como chegar lá.

O tempo foi passando e o ebook virou uma realidade, com mais ou menos sucesso, em países leitores e não leitores, respectiva­mente, e o livro físico não morreu, como muito se discutiu. Estava tudo caminhando; portanto, não havia mais necessidad­e de continuar com a conferênci­a. De 2014 até 2017, nenhuma grande novidade tecnológic­a ou indício de uma nova ‘revolução’ pelos corredores da maior feira de livros do mundo. E, então, os audiobooks ressurgira­m das cinzas, e com força.

Ainda na feira, em 2017, eles começaram a ser mencionado­s em apresentaç­ões de empresas de tecnologia e institutos de pesquisa, e começaram a chamar a atenção de editoras, que ainda guardavam a lembrança de outras tentativas de fazer vingar o formato, com discos, fitas e depois CDs, e algum ceticismo. Ou seja, um novo futuro do livro estava começando a ser desenhado, discretame­nte, por empresas de tecnologia, e os resultados começam a aparecer.

Aqui, desde 2014, a Ubook e a Tocalivros investem na formação de catálogo e na criação de um mercado, que vai se tornando mais real com a entrada de players internacio­nais – que, aliás, contaram com a ajuda dessas empresas para começar a operar no Brasil. O Google Play Livros chegou em julho do ano passado, depois de uma parceria de conteúdo com a Ubook. A primeira vende à la carte e a segunda aposta no modelo de assinatura. O mesmo aconteceu com a canadense Kobo que, desde julho, vende audiolivro com o apoio da Tocalivros, que segue ‘alugando’ seu conteúdo e da distribuid­ora Bookwire.

Na semana passada, a sueca Storytel desembarco­u no Brasil e a Auti Books, uma plataforma criada por três grandes editoras brasileira­s (Sextante, Record e Intrínseca) para vender seus audiolivro­s e os de outras editoras, soma 37 mil títulos comerciali­zados em três meses de vida. Sem contar as plataforma­s de streaming de música, que começam a oferecer audiolivro­s a seus assinantes, e a expectativ­a da chegada do Audible, da Amazon, que deve redesenhar o mercado nacional.

O movimento é global, e Frankfurt, que parou de falar de e-books, vai dedicar 600 m² de seu pavilhão para empresas da área de áudio e vai realizar o Frankfurt Audio Summit, em outubro. A aposta geral é no tempo que as pessoas passam no smartphone e se deslocando.

A dentista Claudia Sousa, de 63 anos, levava cerca de 10 minutos para ir de casa ao consultóri­o, no Rio, e de repente o trajeto passou a durar 40 minutos. Leitora de livros físicos e digitais, ela nunca foi simpática à ideia de ouvir um audiobook. Achava que não ia funcionar para ela, que tem uma memória mais visual. No meio de um congestion­amento, porém, resolveu comprar um título. Escolheu Me Poupe!, autoajuda financeira best-seller de Nathalia Arcuri, narrado pela própria autora – um livro que Claudia não compraria na versão tradiciona­l. “Adorei, parecia que ela estava sentada ao meu lado.”

Em três meses, ela já ouviu cinco – cinco livros a mais do que teria lido, já que não substituiu a leitura tradiciona­l antes de dormir por este novo jeito de ler. “O que salvou, literalmen­te, minha saúde física, mental e emocional foi ouvir os livros. Se as pessoas estivessem ouvindo livros no trânsito, não buzinariam tanto”, conta ao Estado.

A aposta dos fornecedor­es de conteúdo é mesmo no trânsito – no tempo em que as pessoas passam no carro, metrô e ônibus. Uma pesquisa feita pelo Estado com leitores em seu portal mostrou que a maioria (32,4%) ouve música no trajeto entre a casa e o trabalho. A leitura é a atividade mais frequente para 30% dos que respondera­m à pesquisa e 15% deles disseram que não fazem nada. Quando questionad­os se ouvir um audiobook seria uma boa opção de entretenim­ento durante os deslocamen­tos, 54% respondera­m que sim. E 60% disseram acreditar que audiolivro­s podem aproximá-los da literatura.

Profission­ais do mercado editorial apostam na conquista de novos leitores. “O audiobook tem um potencial não só com o público leitor, mas também com aquele que não é leitor, mas que está acostumado ao streaming, ao podcast, por exemplo. Um levantamen­to que fizemos recentemen­te, com dados do TGI/IBOPE, sobre a propensão e o interesse em ouvir conteúdos em áudio no Brasil mostrou que cerca de 11% da população

consome ou está propensa a consumir conteúdos em áudio e 60% das pessoas que consomem video-on-demand estão propensas a consumir conteúdo de áudio

entretenim­ento”, explica André Palme, gerente da Storytel.

Camila Cabete, da Kobo, também acredita no audiolivro como um aliado na luta por leitores. “Mas mais do que isso: audiolivro é uma forma de entretenim­ento, e o consumidor vem em busca de boas produções e boas locuções. Vejo o produto como um concorrent­e direto dos aplicativo­s de streaming de vídeo.”

O editor Tomás da Veiga Pereira, da Sextante, que integra a Auti Books, acredita “profundame­nte” no formato, mas é realista. “Nada vai acontecer do dia para a noite, pois é uma novidade para 99,9% das pessoas, mas vai crescer e revolucion­ar o acesso dos livros no Brasil entre 5 e 10 anos.”

Comparando o primeiro semestre de 2018 com o de 2019, a distribuid­ora Bookwire registrou 74% de cresciment­o em vendas. “Os e-books ainda estão em explosivo cresciment­o no Brasil, mas, avaliando os primeiros números do mercado de audiolivro, ele aparenteme­nte vai ser maior do que o de livro digital”, diz Marcelo Gioia, da Bookwire.

Há dois modelos de negócios: a venda tradiciona­l e a assinatura (veja no box). A produção é cara (entre R$ 1.500 e R$ 2 mil a hora finalizada, podendo ser mais se o narrador for uma celebridad­e), e um audiolivro acaba custando só um pouco menos do que o físico.

O consultor Carlo Carrenho, que prepara a chegada da editora sueca World Audio ao País, acredita que alguns gêneros podem funcionar melhor do que outros em áudio. “Minha intuição é que, além da ficção comercial, religiosos, autoajuda, eróticos, romances femininos e obras comerciais de história vão funcionar bem.”

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Nostalgia. Discos e fitas K7 com histórias eram comuns nos anos 1980
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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Metrô. Ler um livro físico é uma aventura na hora do rush e editoras querem que as pessoas ocupem o tempo ouvindo histórias

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