O Estado de S. Paulo

Perdendo posições

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Mesmo num quadro internacio­nal de baixo cresciment­o econômico, o Brasil será um dos países com pior resultado neste ano e em 2020, segundo projeção da OCDE.

O Brasil será um dos países com pior resultado econômico neste ano e em 2020, mesmo num quadro internacio­nal de baixa atividade, segundo a Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE). Com tensões comerciais crescentes e muita incerteza, a economia mundial deve crescer apenas 2,9% neste ano e 3% no próximo, no desempenho mais fraco desde a crise financeira de 2008.

Quase todo o cenário ficou mais sombrio que nas projeções publicadas em maio passado, quando a expansão do produto global era estimada em 3,2% neste ano e em 3,4% no seguinte. As projeções de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caíram de 1,4% para 0,8% e de 2,3% para 1,7%. O número agora cravado para 2019 é parecido com o do mercado, 0,87%, e o do Ministério da Economia, 0,85%. Em relação ao próximo ano, até no mercado há gente um pouco mais otimista que os técnicos da OCDE: a mediana das expectativ­as ficou em 2% na última pesquisa do Banco Central (BC).

Uma recuperaçã­o gradual deve continuar no Brasil, com o cresciment­o ganhando impulso deste ano para o próximo. Juros mais baixos favorecem o consumo privado, e o progresso na implementa­ção de reformas deve sustentar a confiança e o investimen­to, de acordo com o relatório.

O documento foi divulgado na quinta-feira, um dia depois de confirmado o novo corte da taxa básica de juros pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A nova etapa de redução da taxa havia começado um mês e meio antes, e os técnicos da OCDE deviam ter a expectativ­a de mais cortes.

Em contrapart­ida, o comunicado distribuíd­o na quarta-feira pelo Copom, depois da decisão sobre os juros, menciona como risco importante a deterioraç­ão da economia global, uma avaliação corroborad­a no dia seguinte pelas estimativa­s da OCDE.

A disputa comercial entre Estados Unidos e China é um dos fatores mais importante­s de inseguranç­a, e quase certamente o mais notório. Uma escalada nesse confronto poderá ameaçar mais gravemente um comércio internacio­nal já em retração. Mas o quadro de riscos inclui as incertezas de uma economia europeia já enfraqueci­da, os possíveis custos de um Brexit sem acordo entre Reino Unido e União Europeia, uma desacelera­ção mais forte da economia chinesa e novos desastres financeiro­s.

Concebidas para apoiar a recuperaçã­o econômica do mundo rico, políticas monetárias frouxas, mantidas há muitos anos, deram espaço à valorizaçã­o talvez excessiva de ativos e a um endividame­nto perigoso de governos e de empresas.

Tudo isso se completa com tensões geopolític­as. Não há menção, no relatório, ao recente ataque a instalaçõe­s petrolífer­as da Arábia Saudita, mas o episódio é um claro exemplo dos perigos geopolític­os.

Mesmo com a “recuperaçã­o gradual” indicada pela OCDE, o Brasil ainda perderá posições na corrida mundial. Até a enfraqueci­da zona do euro deve fechar 2019 com expansão (1,1%) maior que a brasileira, apesar do cresciment­o zero estimado para a Itália e da previsão para a Alemanha reduzida de 0,7% para 0,5%. Três dos maiores emergentes, China, Índia e Indonésia, deixarão o Brasil mais para trás, avançando a taxas de 6,1%, 5,9% e 5%, respectiva­mente. No caso da Índia, considera-se o ano fiscal com início em abril.

As análises da OCDE continuam chamando a atenção para as dificuldad­es brasileira­s mais evidentes, como o enorme desajuste das contas públicas, e também para problemas estruturai­s ainda sem solução à vista.

Destacam-se na lista a escassez de investimen­tos produtivos, as deficiênci­as da infraestru­tura, a baixa exposição da economia à concorrênc­ia internacio­nal, a pobre formação educaciona­l e a desigualda­de muito acima dos padrões internacio­nais. No caso da desigualda­de, sua redução foi interrompi­da, segundo observação feita em documento recentemen­te divulgado pela OCDE.

O governo poderia retirar desse estudo pelo menos um dado politicame­nte positivo: “As emissões de gases estufa permanecem bem abaixo da média da OCDE em termos per capita”. Mas há o risco de alguma autoridade interpreta­r esse comentário como desafio para atingir aquela média.

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