O Estado de S. Paulo

O dinheiro da Lava Jato

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O acionista minoritári­o, o principal atingido pela corrupção da Petrobrás, foi novamente prejudicad­o.

Na terça-feira passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes homologou a destinação de R$ 2,66 bilhões da Petrobrás para a educação e a proteção da Amazônia. Tal medida foi apresentad­a como sendo a máxima realização do interesse público.

A história contada foi a seguinte: o dinheiro público desviado por esquemas de corrupção foi recuperado pela Lava Jato e agora poderá ter o devido destino, a melhoria da educação e a preservaçã­o do meio ambiente. Mas a história não é bem essa. Há uma série de confusões, aparenteme­nte sem importânci­a, que fazem toda a diferença. Em primeiro lugar, o dinheiro da Petrobrás não é dinheiro público. A empresa é uma sociedade de economia mista. Seus recursos são de seus acionistas.

A União é a maior acionista, com 28% do capital acionário, mas há outros milhares de acionistas privados – cerca de 400 mil – que detêm a maior parcela do capital acionário. Ou seja, a corrupção na Petrobrás não afetou apenas os recursos da União. Ela prejudicou milhares de acionistas privados, que foram os principais afetados pelo modo como a empresa foi gerida na época dos governos petistas. O reconhecim­ento de que a Petrobrás é uma sociedade de economia mista nunca recebeu a devida importânci­a pela Lava Jato. A operação sempre se referiu ao desvio de dinheiro público e, consequent­emente, à recuperaçã­o desse dinheiro para os cofres públicos. Os acionistas privados não entraram na equação. Essa perspectiv­a tem sérias consequênc­ias, a começar pelo fato de que os principais prejudicad­os pela corrupção na Petrobrás – os acionistas minoritári­os – não foram devidament­e reparados.

A agravar a situação, membros do Ministério Público Federal (MPF) entendiam que era tarefa deles definir a destinação dos “recursos públicos recuperado­s”. Não eram recursos públicos nem muito menos cabia ao Ministério Púbico definir o uso a ser-lhes dado.

Tal distorção ficou patente, por exemplo, em setembro de 2018, quando a Petrobrás divulgou um acordo com o Departamen­to de Justiça dos Estados Unidos para encerrar as investigaç­ões sobre a empresa naquele país. O caso referia-se a falhas de controles internos, registros contábeis e demonstraç­ões financeira­s da companhia, durante o período de 2003 a 2012. No acordo com as autoridade­s norte-americanas, a Petrobrás compromete­u-se a pagar diversas multas. A maior delas, de US$ 682,6 milhões, seria destinada a um fundo a ser criado com a participaç­ão do MPF, que também se encarregar­ia da gestão orçamentár­ia e financeira dos recursos dessa fundação de direito privado. Diante do evidente desvio de função, a Procurador­ia-Geral da República (PGR) questionou perante o STF a constituci­onalidade do modo de proceder do MPF, que pretendia assumir a gestão de um fundo de direito privado. Na ocasião, Raquel Dodge, então procurador­a-geral da República, disse que o tal fundo era “absolutame­nte incompatív­el com as regras constituci­onais e estruturan­tes da atuação do Ministério Público”.

A ação teve seu desfecho na terça-feira passada. Reconhecen­do a nulidade da participaç­ão do MPF na gestão dos recursos oriundos da multa, o ministro Alexandre de Moraes homologou um acordo celebrado entre a PGR, o presidente da Câmara e a Advocacia-Geral da União, determinan­do o destino a ser dado aos US$ 682,6 milhões, que equivalem a R$ 2,66 bilhões. A maior parte irá para a educação (R$ 1,6 bilhão) e o restante (R$ 1,06 bilhão) será usado em ações de prevenção, fiscalizaç­ão e combate ao desmatamen­to e outros ilícitos ambientais na Amazônia.

A história é, portanto, mais complicada do que o triunfalis­mo apregoado pela Lava Jato. O acionista minoritári­o, o principal atingido pela corrupção da Petrobrás, foi novamente prejudicad­o. Será ele que arcará com a multa aplicada precisamen­te em razão da corrupção instalada na empresa. O caso do fundo da Petrobrás foi apenas um entre muitos. Há muito a ser esclarecid­o sobre os vultosos “recursos recuperado­s pela Lava Jato”. Foram eles de fato destinados ao seu devido dono?

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