Um Banco Central mais atuante, como o Europeu
Em três artigos anteriores (4/7, 17/7 e 15/8) defendi uma atuação bem maior do Banco Central (BC) diante da depressão econômica e social que assola o País desde o final de 2014. Este ano ela completará cinco (!) anos de duração e ainda sem saída à vista.
Como caminho para alcançá-la, o ministro Paulo Guedes aposta nas reformas que vem propondo, mas estas têm formulação, aprovação e resultados muito demorados, e com várias incertezas. Se resultados substanciais não ficarem muito claros no próximo ano, Guedes ficará sob fortes pressões para adotar política econômica populista de enganosos resultados mais imediatos. Em 2021 o cenário político estará mais absorvido pela eleição presidencial de 2022, na qual se espera que a discussão sobre o estado da economia venha a influenciar muito a escolha do eleitor. Não seria surpresa se Guedes renunciasse diante dessas pressões.
Argumentei por maior ativismo do BC por várias razões. A primeira delas é que uma política expansionista de gastos públicos, antirrecessão, é incompatível com a péssima situação fiscal do governo, o que recomenda recurso à política monetária. A segunda é que o BC quase que só recorre a um dos instrumentos dessa política, reduzindo a taxa básica de juros, ou Selic, mas seus efeitos estimulantes sobre a economia são muito fracos, dado que já chegou a um valor muito baixo pelos padrões nacionais. Ademais, o efeito de uma Selic ainda mais baixa sobre as altas taxas de juros cobradas pelos bancos é muito limitado. Assim, o BC precisa agir mais, e com outras ferramentas.
Propus duas. Primeiro, um afrouxo monetário, ou quantitative easing (QE) na literatura internacional em inglês. Ocorre quando um banco central adquire do setor financeiro, com expansão monetária, títulos privados ou públicos para estimular o crédito em situações marcadas por esfriamento da economia, baixa inflação e fraca resposta a taxas básicas de juros muito baixas. Minha proposta se limita a títulos privados, como os de financiamentos habitacionais e de infraestrutura, que são os menores em termos de taxas de juros, pouco menos ou pouco mais de 10% ao ano. Com o dinheiro recebido, as instituições vendedoras financiariam novas construções habitacionais e de infraestrutura.
A segunda seria uma liberação bem maior dos depósitos compulsórios mantidos por instituições financeiras no BC, medida a que este já recorreu este ano, no valor de R$ 16 bilhões. Penso em R$ 200 bilhões, e também dirigida para a construção civil.
Antecipando-me a críticas quanto ao QE, refleti que poderiam vir do fato de que em países como Estados Unidos, Reino Unido e os da zona do euro, onde já foi adotado, isso aconteceu quando a taxa básica de juros, próxima de zero ou mesmo negativa, não produzia os estímulos necessários. E a inflação era, também, muito próxima de zero. Aqui a Selic e a taxa de inflação não estão nessa situação, mas a economia brasileira é muito indexada, como ocorre com rendimentos pagos pelo INSS, com o salário mínimo, com reajustes salariais dos trabalhadores com contrato formal e vários preços e tarifas. Assim, aguardar que a inflação e a Selic cheguem a zero para um QE é inconcebível. Ambas já estão em níveis baixíssimos para nossa cultura inflacionária.
Até aqui estive só “chovendo no molhado”, reiterando o que já escrevi, e crendo também que “água mole em pedra dura tanto bate que até fura”, a teimosia do BC sendo essa pedra. E voltei agora ao assunto principalmente porque no último dia 12 tive novo alento, pois o Banco Central Europeu (BCE) adotou nova rodada de QE com a compra mensal de ativos financeiros no valor de ¤ 20 bilhões, algo perto de R$ 90 bilhões por mês(!). Com isso, conforme o jornal Valor do dia seguinte, o presidente do BCE, Mário Draghi, fez justiça ao apelido de “Super Mário”, recebido por enfrentar riscos para a economia da zona do euro. Ele chegou a esse status em 2012, conforme matéria do Financial Times no mesmo jornal Valor, “quando sua guinada para um afrouxamento monetário salvou a zona do euro de um colapso”. A mesma matéria aponta agora o relançamento do programa de QE adotado em 2012, com valor previsto de ¤ 2,6 trilhões, mas suspenso em 2018. Perto de R$ 12 trilhões (!), algo próximo de duas vezes o valor do PIB brasileiro.
Ao anunciar a retomada, Draghi queixou-se de que os países do bloco do euro deveriam ter papel maior, com uma política fiscal em harmonia com os novos rumos da política monetária. Aqui, como já disse, não vejo condições de a política fiscal ajudar o BC num eventual QE, mas já será uma grande ajuda se mantiver e acelerar o ajuste que vem fazendo.
A quem acha que QE é medida muito ousada lembro que já vem sendo usada há cerca de dez e que, se está sendo retomada num contexto tão importante como o do BCE, é porque produziu resultados favoráveis. Falando em ousadia, no debate sobre o QE há quem fale até mesmo de medidas insólitas, como a possibilidade de um banco central fazer depósitos, em dinheiro, nas contas de pessoas físicas para estimular a economia, segundo a mesma matéria do Financial Times.
Por aqui, os economistas brasileiros estão divididos entre os que apoiam o ajuste fiscal, em particular o teto de gastos, e os que desaprovam esse teto. E o ajuste como um todo. Mas esse debate vem desprezando o papel da política monetária na linha do que venho sugerindo.
Mário Draghi deve deixar a presidência do BCE dentro de sete semanas. O BC deveria convidá-lo a vir aqui ensinar sobre o QE. Insisto que o BC precisa deixar de jogar quase que só com a Selic, que não rima com Banco Central. O que rimaria mesmo seria assumir um papel mais central dentro da política econômica.
Nosso BC precisa assumir um papel mais central na política econômica