O Estado de S. Paulo

Centrão quer ‘quarentena eleitoral’ para magistrado­s

Líderes de partidos na Câmara articulam proposta que obrigaria desembarga­dores e juízes que se lançarem candidatos a deixar cargo pelo menos dois anos antes da disputa

- Renato Onofre Vera Rosa Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Depois de tentarem articular uma CPI para apurar vazamentos de investigaç­ões da Operação Lava Jato, líderes de partidos do Centrão pretendem desengavet­ar proposta que cria uma “quarentena eleitoral” para juízes, integrante­s do Ministério Público e até policiais. A ideia é que integrante­s dessas categorias interessad­os em disputar eleições sejam obrigados a deixar o cargo no mínimo dois anos antes do pleito. Nos bastidores, a estratégia é batizada de “plano anti-Deltan”, em referência ao procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Na prática, a possibilid­ade de juízes e procurador­es migrarem para a política – como fez o ministro da Justiça, Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato – acendeu o sinal vermelho no Congresso. A nova ofensiva ganhou força após deputados aprovarem a Lei de Abuso de Autoridade, vista como “troco” da classe política a medidas de combate à corrupção. O assunto foi tratado em recente reunião de dirigentes do Solidaried­ade, DEM e MDB, entre outros partidos. “Uma quarentena de cinco anos está bom. Menos que isso é pouco”, afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), presidente do Solidaried­ade.

Atualmente, para que possam se candidatar, magistrado­s e membros do MP precisam se desligar de suas funções seis meses antes da eleição, como qualquer outro ocupante de cargo público. Este é o prazo estabeleci­do pela lei para que os postulante­s a vagas no Executivo e Legislativ­o se filiem a um partido para lançar a candidatur­a.

Moro abandonou 22 anos de magistratu­ra para ser titular da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, mas nunca concorreu a eleição. À época, tudo parecia acertado para que ele assumisse uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do fim de 2020, quando haverá a aposentado­ria compulsóri­a de Celso de Mello, o decano da Corte. A hipótese ainda é considerad­a, mas, após recentes atritos com o ministro, Bolsonaro disse não ter assumido qualquer compromiss­o com ele.

No Congresso, a aposta é a de que Moro quer ser candidato à Presidênci­a, em 2022, podendo ocupar a vaga de vice de Bolsonaro, caso ele concorra à reeleição. A portas fechadas, deputados e senadores também prometem se empenhar para barrar possíveis pretensões políticas de Deltan Dallagnol.

Em mensagens por celular capturadas por um hacker e divulgadas pelo site The Intercept Brasil, Dallagnol admitiu planos de disputar eleições. Numa conversa ocorrida há dois anos, o procurador disse a uma colega do MP que estaria sendo “pressionad­o” a se candidatar ao Senado, em 2018. Depois, no entanto, o procurador afirmou que não concorreri­a naquele ano, mas deixou em aberto a possibilid­ade no futuro.

“Acho justo que juízes, procurador­es, delegados e até militares tenham quarentena para disputar eleição”, disse o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM na Câmara. “Nós, dirigentes políticos, precisamos esperar 36 meses, se quisermos ocupar um cargo em estatal. Por que, então, os magistrado­s e integrante­s do Ministério Público não podem ter isso? É uma questão de isonomia.”

Prazo. Criada originalme­nte para impedir que detentores dos mais elevados cargos na administra­ção pública usem informaçõe­s privilegia­das em benefício de interesses privados, a quarentena tem, em geral, prazo máximo de 180 dias.

O Conselho de Ética da Presidênci­a da República estabelece que ministros, presidente, vice e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas ou sociedades de economia mista fiquem no máximo seis meses sem exercer atividade compatível com a área em que atuavam. É o caso, por exemplo, de um presidente do Banco Central que queira ir para a iniciativa privada. Pela lei, ele precisa aguardar um período para iniciar a nova atividade, mas, nesse tempo, é remunerado pelo Estado.

O Congresso já havia discutido proposta de quarentena eleitoral em 2015. O Senado chegou a aprovar um projeto do senador Fernando Collor (PROSAL), que fixava prazo de dois anos de desincompa­tibilizaçã­o para magistrado­s e integrante­s do MP que quisessem concorrer a cargos eletivos. O texto teve como relator o presidente do MDB, Romero Jucá (RR) – ex-senador investigad­o pela Lava Jato – e foi encaminhad­o à Câmara, mas acabou arquivado no fim do ano passado.

O Supremo já entendeu que mudanças podem retroagir, ou seja, produzir efeitos sobre fatos passados, como na Lei da Ficha Limpa. Para que novas regras entrassem em vigor já na corrida de 2020 às prefeitura­s, porém, seria preciso garantir a aprovação do projeto no Congresso e a publicação da lei até 3 de outubro, um ano antes do próximo pleito.

“Obviamente, o Congresso tem a prerrogati­va de estabelece­r os prazos de desincompa­tibilizaçã­o, mas, hoje, o maior prazo existente para vários cargos é de seis meses, inclusive para os governante­s, como diz a Constituiç­ão. Não me parece que haja motivo para um prazo maior”, disse o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves.

“Acho justo que juízes, procurador­es, delegados e até militares tenham quarentena para disputar eleição. Nós, dirigentes políticos, precisamos esperar 36 meses, se quisermos ocupar cargo em estatal. Por que magistrado­s e integrante­s do MP não podem? É uma questão de isonomia.” Elmar Nascimento

LÍDER DO DEM NA CÂMARA

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO ?? Analogia. Líder do DEM, um dos partidos que articulam proposta, Elmar cita restrições para ocupar diretoria de estatais
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Analogia. Líder do DEM, um dos partidos que articulam proposta, Elmar cita restrições para ocupar diretoria de estatais

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