O Estado de S. Paulo

Na cidade mais rica da Venezuela, colapso social chega ao cemitério

Famílias de Maracaibo não conseguem pagar pelo funeral de parentes e corpos apodrecem em locais sem refrigeraç­ão

- MARACAIBO, VENEZUELA

O hospital ficou sem analgésico­s e antibiótic­os, deixando Neiro Vargas gemendo de agonia. O segurança de 43 anos foi levado para lá com um tiro no pescoço. No sétimo dia, seu coração cedeu. Mas em Maracaibo, as indignidad­es da vida não terminam mais com a morte. A segunda maior cidade da Venezuela – e seu motor industrial – agora é o epicentro do colapso social do chavismo. O colapso da civilizaçã­o aqui talvez seja mais evidente na morte.

Na mesma tarde da morte de Vargas, o Hospital Universitá­rio de Maracaibo, sofrendo as mesmas quedas de energia que assolam o resto da cidade, estava um sufoco com o calor. A família do morto não pôde pagar imediatame­nte por um funeral. Então, os médicos enviaram seu corpo para o “porão” – um necrotério sem ar-condiciona­do.

Mesmo quando a energia pisca, nenhum dos oito freezers do necrotério funciona. Em uma manhã recente, os insetos enxameavam os sete corpos em decomposiç­ão deixados nas lajes e no chão. Um bebê morto sofria a deterioraç­ão dentro de uma caixa de papelão.

Enquanto as temperatur­as subiam acima de 32°C, o cadáver de Vargas passou três dias no necrotério, enquanto sua esposa, Rossangely­s, pedia dinheiro emprestado para cobrir um caixão improvisad­o e transportá­lo para sua casa. Na sala de estar da família, em uma parte sem lei da cidade repleta de casas abandonada­s, a família realizou um sombrio velório.

O caixão estreito e preto estava sobre dois suportes de metal. Os enlutados desviavam os olhos do rosto infestado de insetos do falecido. Rossangely­s tentou, mas não conseguiu, controlar o cheiro calafetand­o lacunas na madeira do caixão.

Eles não podiam arcar com nenhum plano de enterro. Então, desenterra­ram os ossos do irmão morto de Vargas em um cemitério local, repleto de caixões quebrados profanados por assaltante­s de túmulos. Rossangely­s chorou pelo local de descanso do marido. O caixão do irmão de seu marido, retirado de lá, estava aos pedaços nas proximidad­es.

“Estou apenas sentindo muita raiva”, disse ela. “Muita raiva pelo que temos de passar agora nesta cidade, neste país. Se um membro da família morre, não podemos nem enterrá-lo com dignidade. Como isso pode ser a nossa realidade?”

O governo dos EUA, neste mês, ampliou o embargo, bloqueando todas as propriedad­es e ativos do chavismo e de seus funcionári­os, proibindo quaisquer transações com funcionári­os venezuelan­os, com o Banco Central ou com a estatal de petróleo, a PDVSA. Com menos recursos e acusações de corrupção desenfread­a, não há sinais de que a situação seránormal­izada nos próximos meses.

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MICHAEL ROBINSON CHAVEZ / WASHINGTON POST Crise. Roubo de caixões tornou-se comum em Maracaibo

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