O Estado de S. Paulo

Beto Bellini volta com peça e no papel que foi de Emílio Di Biasi

Teatro. Em ‘Um Passeio no Bosque’, eles viveram dois diplomatas que conversam em encontro privado na Suíça

- Leandro Nunes

Em tempos de autoexposi­ção nas redes sociais, sobra muito pouco de bastidores de políticos. A peça Um Passeio no Bosque seria um tanto estranha se fosse escrita nos dias de hoje. Em cartaz no Espaço Elevador, o texto que o norte-americano Lee Blessing concebeu em 1988 buscava despertar um debate que precisava estar bem longe das câmeras e dos celulares. “Hitler, Napoleão, dariam tudo para viver nesse mundo de destruição”, o ator Beto Bellini cita vários trechos de seu personagem, um diplomata russo, em entrevista por telefone.

Mas não foi sempre assim. No começo dos anos 2000, Bellini interpreto­u o outro papel dessa peça para dois atores. Ele fazia um diplomata norte-americano, jovem e idealista. Já o personagem russo, na ocasião, foi encarnado por Emílio Di Biasi, interpreta­ção que lhe rendeu o Prêmio Shell na época. “São dois homens de poder que se retiram para um bosque a fim de discutir assuntos de ordem secreta, coisas que não falariam da mesma maneira na frente de jornalista­s, por exemplo.”

O texto foi uma indicação da crítica de teatro Barbara Heliodora, lembra Bellini. “Não demorou para lermos e o Emílio decidiu dirigir também.”

O local da conversa é um espaço neutro na Suíça e os assuntos políticos são do interesse dos EUA e da Rússia. “Existe um pano de fundo de conflito nuclear”, aponta o diretor Marcelo Lazzaratto. “Nesse ambiente idílico, o desejo podre do homem pela destruição começa a diferencia­r o indivíduo da figura pública.”

Em certo momento, um dos personagen­s defende que as armas nucleares, como ogivas assustador­as, são apenas subterfúgi­os entre as nações e o poder. “O diplomata mais experiente sustenta um olhar fatalista na política e isso também influencia sua vida pessoal. No entanto, o jovem ainda é capaz de se encantar e ter esperança na transforma­ção do mundo”, conta Lazzaratto sobre o personagem interpreta­do por Gustavo Merighi.

Como se estivesse ruindo por dentro, o diplomata russo revela uma doença degenerati­va. “Trabalho sem esperança, é uma coisa muito seca, é como se meu cérebro estivesse secando”, Bellini puxa mais um trecho da memória. A lembrança é dolorosa, já que o antigo parceiro de Bellini segue afastado dos palcos por motivo de doença. “É muito delicado voltar a esse texto experiment­ando o papel que foi do Emílio”, conta o ator.

Mas o novo papel também vem carregado de boas notícias. Durante os ensaios, Bellini procurou o autor para consultá-lo sobre essa dupla interpreta­ção. “Ele ficou surpreso ao saber que o mesmo ator fez os dois personagen­s em dois momentos diferentes. É inédito para os textos do Blessing. Para mim é resultado da dedicação de uma vida.”

Na encenação de Lazzaratto, o jogo entre os diplomatas é objeto de total foco no Espaço do Elevador. “É bom poder se dedicar em buscar maneiras de falar esse texto”, explica o diretor. Para Bellini, a direção de Emílio explorou sutilezas na primeira encenação. Dessa vez, ele acredita que os personagem vêm com muito mais histórias. “Elas estão mais latentes.”

“Na peça, a individual­idade e o papel social entram em conflito. Mas a ameaça no jogo político também se faz de constantes adiamentos” Marcelo Lazzaratto

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LEEKYUNG KIM Dupla. Bellini e Gustavo Merighi no texto de Lee Blessing

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