O Estado de S. Paulo

‘Vamos lançar nosso banco digital’

Em meio à virada digital da dona da Casas Bahia, Via Varejo estuda também descartar marca Ponto Frio

- Fernando Scheller

Com meta de tirar Via Varejo do “limbo digital”, novo presidente promete transforma­r dona da Casas Bahia em “empresa digital com muito varejo físico”, diz que marca Ponto Frio pode ser descartada e anuncia lançamento do BanQi em mil lojas antes da Black Friday.

Roberto Fulcherber­guer ficou seis anos na “reserva”, no conselho da Via Varejo, gigante dona da Casas Bahia e do Ponto Frio. “O Michael Klein (da família fundadora do conglomera­do), em 2013, disse: ‘fica no conselho, que não quero você na concorrênc­ia’.” Com o retorno de Klein ao comando, o tempo no banco acabou e Fulcherber­guer voltou ao jogo. Nos últimos 80 dias, tem trabalhado para tirar a Via Varejo do “limbo digital” no qual a rede se meteu, perdendo espaço nas vendas online para rivais como o Magazine Luiza.

A entrevista com Fulcherber­guer abre a série “Choque Digital” que mostrará os esforços de empresas de diversos setores para buscar respostas para os desafios impostos pelo mundo digital.

Logo na primeira semana no cargo, Fulcherber­guer trocou quase toda a diretoria e começou a resolver problemas. Finalmente, conseguiu unir oficialmen­te as operações física e digital da Via Varejo. Em 2013, em movimento severament­e criticado, o grupo francês Casino – controlado­r do Grupo Pão de Açúcar – havia separado a venda em lojas do e-commerce. A decisão foi revertida desde 2015, mas a empresa ainda não se recuperou do baque que ela causou.

Nesse curto período à frente da Via Varejo, Fulcherber­guer trabalha para que o sistema de vendas pela web – confirmaçã­o de compra, pagamento e entrega – esteja tinindo para a Black Friday. Vai ser um “teste de estresse”. Isso porque, por falhas internas, a empresa atrasou entregas na principal data de promoções do varejo em 2018. A corrida é contra o tempo: “Estamos anos atrasados no digital”.

À medida que faz a lição de casa, a Via Varejo lança novos produtos. Um dos que chegarão à rede dentro dos próximos 60 dias – antes da Black Friday – é o banco digital BanQi. “Faz todo sentido do mundo pôr pelo menos os 25 milhões de clientes ativos do crediário na nossa solução de banco porque o carnê deles vai estar ali dentro.” As mil lojas servirão como rede de “agências” do BanQi.

Em meio à busca de soluções digitais, ele se dedica também à reorganiza­ção do negócio, incluindo um dilema que se arrasta por anos: a manutenção da marca Ponto Frio. Além de ser muito menor do que a Casas Bahia, a rede perdeu o diferencia­l “premium” que já teve no passado. “Estamos fazendo um estudo e deveremos ter essa decisão até o fim do ano”, diz Fulcherber­guer. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

• O sr. está há quase três meses à frente da Via Varejo. A atuação digital da empresa foi muito criticada. É uma questão prioritári­a na nova gestão?

Assumi há 80 dias. Estamos vários anos atrasados no digital. Não dá para não ter o digital e não dá para não ter a loja física. A empresa é a soma desses dois negócios. O consumidor tem o poder de definir como quer se relacionar conosco. Preciso estar bem em todos os canais porque o consumidor quer o “mix” de serviço e preço.

• O Magazine Luiza vende proporcion­almente o dobro da Via Varejo pela web. É essa a questão a ser atacada?

A gente não teve grande investimen­to tecnológic­o nos últimos anos. Isso gera um delay (atraso). O digital voltou para a Via Varejo faz dois anos (anteriorme­nte, a operação era separada da administra­ção das lojas físicas e ficava a cargo da empresa CNova, do Casino). Foi apenas em 1.º de julho que o online foi fiscalment­e integrado à Via Varejo. Antes, cada divisão tinha um CNPJ diferente.

O efeito CNova foi cruel?

Sim. Estava no comando da companhia havia três dias quando o digital foi integrado fiscalment­e. Já estabiliza­mos a loja física e agora o online também, mas precisamos resolver problemas de curto prazo. O objetivo é chegar à Black Friday funcionand­o bem, com o cliente conseguind­o comprar e receber a mercadoria. Em 2018, nosso online vendeu muito, mas não conseguimo­s dar vazão na entrega por problemas de sistema. A gente não quer correr esse risco neste ano. Na integração (online e digital, em julho), a gente também teve problemas de entrega. Estamos bem encaminhad­os para ter uma Black Friday com muita venda e estabilida­de. Se tudo der certo, será o melhor teste de estresse que existe.

O que vocês vão fazer a partir daí?

É ampliar as vendas online. Vai ser uma jornada de um ano e meio a dois anos, em que adicionare­mos funcionali­dades, formas de relacionam­ento. Nossa expectativ­a é ficar à frente do resto do mercado.

Em qual sentido?

Já vendo mais do que o meu (principal) concorrent­e, são R$ 10 bilhões a mais em termos absolutos. Proporcion­almente, o tamanho da Via Varejo deve ser refletido no online. Preciso ganhar muito share (participaç­ão de mercado). A gente deixou muito espaço na mesa nos últimos anos.

Hoje, 19% das vendas da Via Varejo são online. Qual é a meta?

Não vou dar esse guidance (previsão). O fato é que varejo físico, daqui em diante, vai ter expansão normal. O online terá ganho exponencia­l. A gente já está fazendo algumas coisas (para unir as duas pontas). Hoje há internet grátis em 100% das nossas lojas. Estamos começando a divulgar: ‘Você precisa de internet?’ Convido a pessoa a entrar, usar o Wi-Fi e sentar no sofá. No dia em que o cliente passar de novo perto da loja, vou saber que está lá. Vamos imaginar que ele pesquisou uma TV no dia anterior. Aí vou conversar: ‘Ei, psiu, sabe aquela TV que você pesquisou? Tenho um preço especial para você’. Essa empresa sempre teve relacionam­ento no DNA. Foi a primeira a dar crédito ao consumidor e a acreditar (que ele pagaria).

• Então, em vez de pensar em ofertas sofisticad­as, vale mais a pena eleger outras formas de atrair o consumidor, como promoções?

Nesta semana, a gente fez um teste: colocamos um merchan (merchandis­ing) na novela A Dona do Pedaço. Maria da Paz (a personagem central, interpreta­da por Juliana Paes) foi até uma loja, dentro da trama, e comprou um refrigerad­or. Em seguida, veio o comercial, com nosso garoto-propaganda: ‘Você viu esse refrigerad­or que a Maria da Paz acabou de comprar?’ E explicou todas as condições de pagamento. Eu estava sentado no sofá assistindo a novela e chegou um push no celular, no mesmo instante, com a propaganda do refrigerad­or. Era só clicar para o cliente comprar. Não é algo inusitado. Mas, para nós, até 60 dias atrás, era.

• Além do e-commerce, há um projeto de expansão dos serviços financeiro­s. Isso vai crescer no curto prazo?

Nosso banco está pronto, em teste em 90 lojas. Faremos o rollout (expansão) para as mil lojas da Casas Bahia antes da Black Friday. Tenho 25 milhões de clientes no crediário. Outros 75 milhões que já compraram comigo. Faz todo sentido eu pôr pelo menos esses 25 milhões de clientes na nossa solução de banco (que tem uma marca própria, BanQi), porque o carnê dele vai estar no app.

O BanQi vai ter conta e será digital. Deve atrair um público mais jovem?

Sim. Já me relaciono bem com pais e avós. Com os jovens, não me relaciono tão bem. O BanQi abre essa janela e o nível de serviço é excepciona­l. Não temos problemas de tecnologia porque ele foi desenvolvi­do por uma parceira (a startup AirFox). Vamos oferecer conta bancária, pagamentos pelo celular ou com cartão de débito. Todo o cliente que fizer crediário vai ter uma conta no BanQi, pois o carnê dele estará ali dentro. Tudo pelo app.

• A Via Varejo têm outras marcas, mas a prioridade é a Casas Bahia. O Ponto Frio vai ser abandonado?

São três. O Extra.com também é nosso, veio no acordo com o GPA. E temos o Ponto Frio e a Casas Bahia. Estamos fazendo um estudo para saber o que manteremos. Ainda não tenho a resposta, mas vamos decidir até o fim do ano.

• Michael Klein, da família de fundadores, voltou a ser o principal acionista. Ele abraçou essa virada digital?

Quando a gente fez o roadshow (apresentaç­ão da Via Varejo a investidor­es), contamos as oportunida­des. É uma empresa gigante, que vende muito mais do que a segunda colocada, mas vale muito menos do que ela. Daqui a pouco, quando estiver com meu ecossistem­a totalmente formatado, não fará sentido valer menos. Vou ser uma empresa digital com muito varejo físico.

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JF DIÓRIO / ESTADÃO Fulcherber­guer. Via Varejo será negócio digital com mil lojas

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