O Estado de S. Paulo

Com crise no setor petroleiro, países do Caribe abandonam chavismo na OEA

Venezuela usava Patrocarib­e para obter apoio em organizaçõ­es regionais em troca do envio de petróleo subsidiado para pequenas ilhas caribenhas; colapso da produção e sucateamen­to da estatal petrolífer­a PDVSA limitou poder do governo de Maduro

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

O apoio de países caribenhos a Nicolás Maduro, que já foi capaz de barrar medidas contra o chavismo na Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA), não é mais o mesmo. O governo da Venezuela tem perdido a sustentaçã­o diplomátic­a dos países que formavam a Petrocarib­e em razão do colapso da indústria do petróleo do país.

A Venezuela investiu nas relações com países caribenhos por meio da Petrocarib­e, criada na década de 2000. O chavismo irrigava com petróleo subsidiado nações da região e, em troca, recebia o apoio em debates na OEA. Mas, com a crise econômica e as sanções americanas, a produção venezuelan­a despencou – e os benefícios também.

As últimas três votações na OEA deixaram claro a mudança. Dos 14 membros da Petrocarib­e – fora Venezuela e Cuba – 7 já condenam o regime chavista, engrossand­o a lista que conta com EUA, Canadá, Brasil e Colômbia.

Com base nas últimas votações, outros quatro países da Petrocarib­e têm registrado ausências e abstenções. Apenas Dominica e São Vicente e Granadinas

– junto com a Nicarágua – mantêm apoio incondicio­nal ao chavismo. Bahamas, Suriname e Panamá oscilam nas votações.

Em 2017, o cenário era diferente. As votações que poderiam pressionar Maduro terminavam frustradas, com apenas 14 nações condenando o chavista. O número passava longe das exigências mínimas para aprovação de textos. Há casos em que é preciso o voto de dois terços dos 35 países.

“Em 2017, tivemos um choque, porque víamos a crise acontecend­o, mas muitos países não queriam votar contra Maduro. Agora, quase sempre, consistent­emente, há na faixa de 20 a 21 votos contra ele”, afirma Fernando Cutz, ex-assessor da Casa Branca. Com a mudança no perfil dos caribenhos, a oposição venezuelan­a têm conquistad­o na OEA apoio que varia de 19 a 21 votos. “Os EUA têm conseguido tirar integrante­s da Petrocarib­e da órbita de Maduro”, diz Benjamin Gedan, ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional dos EUA e membro do Wilson Center.

Os laços com os parceiros, no entanto, demoraram a se desatar. “Surpreende­ntemente, Maduro manteve a lealdade de muitos da Petrocarib­e, mesmo quando o colapso econômico minou os embarques de petróleo. A razão para a continuaçã­o do apoio é um mistério”, afirma Gedan.

Para Cutz, dois motivos explicam o apoio: o temor de uma reação militar do chavismo contra países vizinhos à Venezuela, como Trinidad e Tobago e Guiana, e por afinidade ideológica, como no caso da Nicarágua.

“Por último, acredito ainda que haja corrupção na hora do voto, porque o apoio a Maduro por parte de algumas ilhas pequenas não faz sentido”, afirma.

Uma das suposições de Gedan é a de que Maduro estimule uma “rede de chantagem” para manter a lealdade dos caribenhos. “Afinal, os fundos sempre foram gerenciado­s com pouca transparên­cia”, afirma.

Nova York. O impasse com o bloco caribenho se refletiu na reunião dos signatário­s do Tratado Interameri­cano de Assistênci­a Recíproca (Tiar) marcada para amanhã em Nova York, na véspera do começo da Assembleia-Geral da ONU. Também amanhã, integrante­s do Grupo de Lima se encontrarã­o.

Nicolás Maduro afirmou que não viajará aos EUA, o que a oposição tem comemorado silenciosa­mente. Para o time do autoprocla­mado presidente interino, Juan Guaidó, este será um sinal de que o presidente venezuelan­o não confia no seu núcleo próximo e teme não conseguir voltar ao país caso embarque para Nova York.

Segundo apurou o Estado, países como Brasil e Colômbia devem propor sanções pessoais e econômicas ao regime. Atualmente, o País só admite sanções

decorrente­s de decisões do Conselho de Segurança da ONU, mas o Itamaraty tem discutido a possibilid­ade de usar uma deliberaçã­o do Tiar como marco jurídico para sanções.

Entre a oposição venezuelan­a e especialis­tas, há a avaliação de que os americanos já lançaram mão de praticamen­te todos os instrument­os de pressão econômica disponívei­s e, agora, é preciso contar com protagonis­mo de países como Brasil e Colômbia. “Se só os EUA e Canadá aplicam sanções, é como um pai cortar a mesada do filho para estimulá-lo a trabalhar, mas o filho ainda receber mesada dos tios. Não adianta nada”, afirmou um diplomata de Guaidó.

 ?? REUTERS - 27/5/2016 ?? Venezuela. Nicolás Maduro em encontro da Petrocarib­e: ferramenta diplomátic­a exterminad­a pela crise econômica
REUTERS - 27/5/2016 Venezuela. Nicolás Maduro em encontro da Petrocarib­e: ferramenta diplomátic­a exterminad­a pela crise econômica
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil