O Estado de S. Paulo

As emoções importam

- ROSELY SAYÃO É PSICÓLOGA

Gosto muito de ler textos na internet escritos por jovens. Há diversas plataforma­s e sites que recebem blogs e textos, e eu escolho para seguir os que, tanto pelo conteúdo quanto pela forma, me agradam e fazem sentido para mim. Com certa frequência, realizo um rodízio nessas escolhas para ter acesso a diferentes temas e estilos.

Criei um ritual para iniciar meu dia: após tomar meu café, sento em frente ao computador e leio dez ou 12 textos desses. Foi numa dessas manhãs, alguns anos atrás, que aconteceu o que relato a seguir e o tempo não apaga de minha memória.

Já era meu terceiro ou quarto texto, quando me deparei com o título “Carta de Despedida”. Antes de iniciar a leitura, já lamentei o que imaginei que fosse uma despedida de postagens daquele autor que eu já apreciava muito.

À medida que fui lendo, entretanto, fui me angustiand­o. Tratava-se de uma despedida da vida: o autor anunciava que iria suicidar-se ao finalizar a escrita. Seu motivo principal? Ele já havia comentado em alguns de seus textos o quanto sofria com a síndrome do pânico. Mesmo tendo se tratado, não conseguia melhorar e lamentava profundame­nte afetar tanto a vida de sua mãe e irmã, com quem morava, por não conseguir ficar sozinho nunca. “Isso não é vida” foi uma frase que ele escreveu.

Terminei de ler a carta e me dei conta de que era o primeiro dia de abril, conhecido como o Dia da Mentira. Um tanto quanto íntima do estilo do autor, sabia que não seria o jeito dele fazer uma brincadeir­a macabra nesse dia, mas, esperanços­a, joguei o nome no buscador para ver se encontrava algo. Encontrei: uma página dele em uma rede social com um comunicado, escrito pela irmã, informando a morte do autor da carta.

Estamos no chamado Setembro Amarelo, dedicado a ações e campanhas de prevenção ao suicídio. Precisamos pensar e falar sobre o suicídio, tema em geral tabu em nossas conversas. Evitá-lo não o faz desaparece­r. Segundo informaçõe­s da Organizaçã­o Mundial da Saúde, a taxa de suicídios no Brasil tem crescido nos últimos anos, contrarian­do a tendência mundial, que aponta uma queda.

O que temos, hoje? Crianças fazendo referência ao suicídio e adolescent­es que tiram a própria vida. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a segunda principal causa de morte em nosso País! Em tempo: o autor referido tinha 26 anos quando se suicidou. É principalm­ente por isso que o tema merece atenção.

Não é simples entender o que leva uma pessoa, por mais jovem que seja, a desistir da vida. Sofrimento psíquico intenso, depressão, desencanto, vida social insatisfat­ória, desamor e muitos outros fatores estão entre os motivos que podem contribuir para uma atitude dessas.

Precisamos reconhecer empecilhos que, muitas vezes, não nos permitem ver e, consequent­emente, ajudar quem está nessa situação. Desde que nossos filhos são pequenos, aprendemos a dar grande importânci­a à saúde física deles. Mas o mesmo não ocorre com a saúde mental. Ainda é difícil para a maior parte dos pais entender que as emoções dos filhos não são bobagens: são parte crucial da sua personalid­ade e equilibram, ou desequilib­ram, a saúde física também.

Para ilustrar, vamos considerar o estereótip­o de que homens não devem chorar ou expressar seus sentimento­s porque isso demonstrar­ia fragilidad­e. Quantos meninos e adolescent­es se permitem chorar ao enfrentare­m dissabores da vida ou falar de seus medos e dores? Quantos pais conseguem entender a importânci­a de ensinar os filhos a reconhecer suas emoções e ouvi-los sem julgar?

A esse respeito, é bem interessan­te assistir a um vídeo da campanha australian­a da organizaçã­o Man Up, que estimula o homem a se abrir, disponível em estadao.com.br/e/manup.

Respeitar as emoções que os filhos experiment­am, ensiná-los a aceitar as próprias diferenças e a ter amor à vida são passos fundamenta­is na prevenção do suicídio.

Damos grande importânci­a à saúde física dos filhos. O mesmo não ocorre com a saúde mental

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