O Estado de S. Paulo

65% dos juízes recebem mais do que o teto, diz pesquisa

Contas públicas. Levantamen­to mostra que, apesar do aperto fiscal, teto é rompido pelos magistrado­s mesmo depois do fim do pagamento indiscrimi­nado do auxílio-moradia; nova benesse aprovada pelo CNJ garante auxílio-saúde de até 10% dos seus salários

- Camila Turtelli Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

Pesquisa do partido Novo, feita com base em 200 mil contracheq­ues, mostra que 65% dos magistrado­s do País ganham acima do teto do funcionali­smo, de R$ 39,3 mil, mesmo após o fim do pagamento de auxílio-moradia, em novembro. Nos Estados, 77% recebem mais do que o teto estadual, de R$ 35,5 mil. Com a aprovação do auxílio-saúde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no dia 13, a situação deve se agravar.

Foi na semana de sexta-feira 13, neste mês de setembro, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que o melhor era não dar chance ao azar. Apesar de a situação das contas públicas do País não ir bem, o órgão que controla o Poder Judiciário decidiu que era preciso cuidar melhor da saúde de seus magistrado­s e servidores e aprovou um auxílio que pode chegar a 10% do salário – um juiz no Brasil ficará muito próximo de ganhar o teto, que é de R$ 39,3 mil mensais. É mais do que o salário do presidente da República, de R$ 30.900,00.

Antes de sair criando novas despesas, o CNJ fez uma consulta a tribunais estaduais, federais e associaçõe­s de juízes. Ouviu deles que o novo gasto era justificad­o. Uma das justificat­ivas veio da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), que havia feito pesquisa mostrando que mais de 90% dos magistrado­s se dizem mais estressado­s do que no passado.

O CNJ operou em um dos poucos vácuos deixados pela Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO) de 2019. Essa lei dá as bases para os gastos do governo e, por causa da crise fiscal, proibiu reajustes aos auxílios alimentaçã­o, moradia e assistênci­a pré-escolar. O auxíliosaú­de ficou de fora da vedação.

O dinheiro poderá ser usado para pagar médicos, hospitais, planos de saúde, dentista, psicólogo e até os remédios comprados na farmácia. Livre do teto remunerató­rio, o auxílio será mais um “pendurical­ho” a turbinar salários dos servidores e magistrado­s. Uma despesa criada pelo Judiciário para beneficiar o próprio Judiciário.

Pesquisa feita pelo partido Novo mostra que, mesmo após o fim do pagamento indiscrimi­nado de auxílio-moradia, 65% dos magistrado­s no País estão recebendo acima do teto do funcionali­smo em 2019. O porcentual já considera uma margem de R$ 1 mil, para excluir aqueles que passam do limite por auxílios menores, como o de alimentaçã­o. Na advocacia pública, que inclui advogados da União e procurador­es federais, o porcentual é bem menor, de 15%.

Liminar. O auxílio-moradia para todos os juízes foi obra de uma liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2014. Seu fim só foi decretado após uma negociação dura que obrigou o governo Michel Temer a avalizar um reajuste de 16,38% para os magistrado­s, que gerou efeito cascata nos Estados, por elevar o teto de salários para todos os servidores.

O levantamen­to do Novo analisou mais de 200 mil contracheq­ues, inclusive de juízes estaduais. O Poder Judiciário nos Estados é blindado de qualquer crise e não recebe um centavo a menos que o previsto no Orçamento, mesmo quando as receitas caem. Por lá, o porcentual de quem extrapola o teto estadual (R$ 35,5 mil) chega a 77%.

A pesquisa exclui os meses de janeiro e julho deste ano para evitar um resultado inflado por quem “furou” o teto com o terço de férias.

O economista Daniel Couri, diretor da Instituiçã­o Fiscal Independen­te (IFI) do Senado, diz que o problema dos “pendurical­hos” é que, embora seja preciso uma lei para criá-los, o valor é decidido de forma administra­tiva. Ou seja, os próprios poderes podem escolher se merecem ou não um aumento.

“A LDO seria o lugar em que se poderia limitar de alguma forma essa autonomia”, diz Couri. Para ele, o impacto do novo auxílio-saúde aprovado pelo CNJ deve ser significat­ivo e levará aos órgãos do Judiciário federal a ter de cortar gastos em outras áreas, já que a emenda do teto fixa um limite total para as despesas. Caberá a cada tribunal regulament­ar o pagamento do benefício.

A reportagem questionou o CNJ sobre o impacto da medida e as razões que levaram à decisão, mas não obteve resposta.

 ?? ESTUDO ELABORADO PELA DIRETORIA DE FISCALIZAÇ­ÃO DO PARTIDO NOVO INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO ?? FONTE:
*MECANISMO QUE DESCONTA OS VALORES ACIMA DO TETO REMUNERATÓ­RIO DO FUNCIONALI­SMO, MAS NÃO ATINGE VERBAS INDENIZATÓ­RIAS, COMO OS AUXÍLIOS; **INCLUI CGU, TESOURO NACIONAL, BANCO CENTRAL, ENTRE OUTRAS; ***CONSIDERAN­DO MARGEM DE R$ 1 MIL PARA DESCARTAR QUANDO O TETO É FURADO PELO RECEBIMENT­O DE AUXÍLIO-ALIMENTAÇíO
ESTUDO ELABORADO PELA DIRETORIA DE FISCALIZAÇ­ÃO DO PARTIDO NOVO INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTE: *MECANISMO QUE DESCONTA OS VALORES ACIMA DO TETO REMUNERATÓ­RIO DO FUNCIONALI­SMO, MAS NÃO ATINGE VERBAS INDENIZATÓ­RIAS, COMO OS AUXÍLIOS; **INCLUI CGU, TESOURO NACIONAL, BANCO CENTRAL, ENTRE OUTRAS; ***CONSIDERAN­DO MARGEM DE R$ 1 MIL PARA DESCARTAR QUANDO O TETO É FURADO PELO RECEBIMENT­O DE AUXÍLIO-ALIMENTAÇíO
 ?? FABIO MOTTA / ESTADÃO-29/3/2019 ?? Para juízes. Fux deu liminar por auxílio-moradia em 2014
FABIO MOTTA / ESTADÃO-29/3/2019 Para juízes. Fux deu liminar por auxílio-moradia em 2014

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