O Estado de S. Paulo

Carlos Pereira

- E-MAIL: CARLOS.PEREIRA@FGV.BR CARLOS PEREIRA ESCREVE QUINZENALM­ENTE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Na polarizaçã­o, eleitores medianos viram reféns de extremos e tendem erroneamen­te a atribuir seu desconfort­o às instituiçõ­es.

Em visita recente à Inglaterra tive a oportunida­de de interagir com vários cientistas políticos e economista­s britânicos. Chamou a atenção o mal-estar generaliza­do proporcion­ado pela grande incerteza sobre os rumos que o Reino Unido poderá tomar em relação a União Europeia. Tanto os favoráveis como os contrários ao Brexit não conseguem sequer saber se o Brexit vai de fato ser implementa­do; se com ou sem acordos comercial, aduaneiro e fronteiriç­o; quais os termos desses acordos; e quais as consequênc­ias econômicas e políticas desta decisão.

O grau de incerteza é tamanho que alguns têm argumentad­o que a democracia britânica estaria ameaçada, especialme­nte após a decisão do primeiromi­nistro, Boris Johnson, de suspender as atividades do Parlamento até meados de outubro, próximo da data limite (31/10) da decisão sobre o Brexit.

Este cenário é surpreende­nte porque o sistema político britânico, conhecido como Westminste­r, foi historicam­ente desenvolvi­do para ser gerador de estabilida­de, previsibil­idade e governabil­idade. Esse sistema unificado de poderes é considerad­o “majoritári­o puro” por possuir um número muito reduzido de vetos institucio­nais e partidário­s. Além disso, o Reino Unido não tem uma constituiç­ão escrita, é um país unitário, é de facto unicameral e todo o poder deriva do Parlamento. Uma vez que uma maioria seja forjada, o governo teria amplas condições de governar de forma decisiva e diligente.

A despeito de todas essas caracterís­ticas institucio­nais favoráveis à estabilida­de política, o povo britânico viu nos últimos três anos a instabilid­ade tomar conta do seu país, com três mudanças de primeiro-ministro: David Cameron, Theresa May e, atualmente, Boris Johnson. Essas sucessivas mudanças de governo acontecera­m desde que o Brexit foi vencedor no referendum em junho de 2016.

Diferentem­ente do parlamenta­rismo do Reino Unido, o sistema de separação de poderes baseado na representa­ção proporcion­al do Brasil não privilegia a eficiência governativ­a, mas a inclusão do maior número possível de interesses da sociedade no jogo político. Daí o sistema partidário ser altamente fragmentad­o. Além disso, o País possui uma grande quantidade de instituiçõ­es (federalism­o, bicamerali­smo, Judiciário com poder de controle de constituci­onalidade, etc.) com a capacidade de vetar iniciativa­s de mudança. Por isso que é tão difícil aprovar e implementa­r reformas no Brasil.

A fórmula encontrada pelo constituin­te de 1988 para lidar com os potencias problemas de governabil­idade gerados por esses elementos de consenso foi delegar poderes constituci­onais, orçamentár­ios e de agenda para que o Executivo se transforma­sse no coordenado­r do jogo político. Um presidente poderoso poderia atrair apoios e construir coalizões pós-eleitorais majoritári­as e estáveis e, assim, ter condições implementa­r sua plataforma de reformas.

Para além do sistema político, a unificação ou a divisão de preferênci­as em uma sociedade é uma outra dimensão fundamenta­l para se entender o funcioname­nto de um determinad­o país. Por exemplo, se os poderes são separados, mas as preferênci­as entre os atores políticos muito semelhante­s, levaria a uma redução drástica do número de pontos de veto, dado que as várias instituiçõ­es estariam trabalhand­o com o mesmo objetivo. O consenso em torno da reforma da Previdênci­a recentemen­te aprovada na Câmara é um bom exemplo. O inverso também seria verdadeiro; ou seja, a combinação de poderes unificados com polarizaçã­o de preferênci­as tem o potencial de gerar impasses, instabilid­ades e, até mesmo, paralisia decisória, como tem sido o caso do Brexit no Reino Unido.

Portanto, o mal-estar político sentido no Reino Unido e no Brasil não seria decorrente de problemas de desenho institucio­nal, mas sim, fundamenta­lmente, da forte polarizaçã­o de preferênci­as políticas nos dois países. Diante dessa polarizaçã­o crescente, os eleitores medianos tornam-se reféns das opções extremas e tendem a equivocada­mente identifica­r como razão de seu desconfort­o o funcioname­nto das instituiçõ­es ao invés da distribuiç­ão de preferênci­as.

O mal-estar decorre da polarizaçã­o de preferênci­as e não do desenho institucio­nal

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