O Estado de S. Paulo

Um novo sonho americano

- CARLOS VAZ

Ochamado sonho americano, que há décadas atrai imigrantes de todas as partes do mundo e define o modo de vida da classe média americana, passa por mudanças significat­ivas. Instituído em 1931 pelo historiado­r James Truslow Adams, abriga ideais como o direito à vida, liberdade, propriedad­e e a busca da felicidade, que remetem a valores enraizados desde 1776, na Declaração da Independên­cia dos Estados Unidos.

A grande alteração que se observa agora diz respeito ao item propriedad­e, que no contexto do sonho americano se refere à conquista da casa própria. Estudo recente da Universida­de Harvard mostra que 35% dos americanos hoje vivem em imóveis alugados, não por opção, mas por necessidad­e. É crescente o número de americanos que não têm acesso a esse símbolo do sonho americano, a principal aquisição que a maioria das pessoas realiza ao longo da vida.

Entre os dados mais reveladore­s, mostrando que o número de americanos vivendo em imóveis alugados deve continuar aumentando, está o grau de endividame­nto das diferentes camadas da população. Entre os chamados millenials, ou integrante­s da chamada geração Y, nascidos entre 1980 e 2000, o grande obstáculo é a enorme dívida com financiame­ntos para concluir os estudos, que hoje ultrapassa US$ 1,5 trilhão e é considerad­a uma das principais bolhas capazes de provocar graves desequilíb­rios na economia dos Estados Unidos. Entre os chamados baby boomers, nascidos entre 1946 e 1964, 45% não têm economias nem perspectiv­a para garantir necessidad­es básicas da aposentado­ria.

O alto endividame­nto dos millennial­s torna a compra de um imóvel algo cada vez mais distante e incerto para jovens famílias. O problema é aprofundad­o pelos custos de construção e financiame­nto residencia­is nos Estados Unidos, que crescem em ritmo acelerado – o dobro dos índices médios de aumento dos salários. Segundo a Associação Nacional dos Construtor­es de Imóveis Residencia­is (NAHB), no final de 2018 apenas 56% das famílias americanas conseguiri­am adquirir o imóvel próprio, índice que em 2012 era de 78%.

Com as finanças apertadas, os millenials estão demorando mais para deixar a casa dos pais e ainda mais para se casar e ter filhos. Historicam­ente, nos Estados Unidos, a chegada de filhos apressa a decisão de adquirir um imóvel. Millenials também estão dando prioridade à flexibilid­ade e ao cresciment­o profission­al. Querem liberdade para buscar novos desafios e oportunida­des em outra cidade ou país, o que torna o imóvel próprio uma âncora indesejada e de baixa liquidez nessa fase da vida.

Esse conjunto de realidades está causando uma espécie de êxodo de grandes cidades, onde os imóveis, para compra ou aluguel, estão fora do alcance da maioria. O último censo dos Estados Unidos, realizado em 2018, mostra que Nova York está perdendo 277 moradores por dia, ante 132 no ano anterior. Em segundo e terceiro lugares aparecem Los Angeles e Chicago, perdendo diariament­e 201 e 161 moradores, respectiva­mente. São cidades reconhecid­amente caras para comprar ou alugar um imóvel.

O censo de 2018 também mostra para onde os americanos se estão mudando: cidades em que os custos são mais acessíveis, com cresciment­o econômico e geração de empregos. A primeira nesse ranking é Dallas, no Texas, que está recebendo em média 212 novos moradores por dia. Não por acaso, a cidade e o Estado estão entre as economias mais fortes. O Texas, se fosse um país, estaria entre os dez maiores PIBs do mundo, com mais de US$ 1,64 trilhão.

Esse quadro cria uma oportunida­de dentro da economia real: atender milhões de famílias que, cada vez mais, terão de optar pelo imóvel alugado. A fórmula que surge com força é a reforma de conjuntos habitacion­ais bem localizado­s e construído­s nas décadas de 1970 e 1980, exclusivam­ente para aluguel para a classe média trabalhado­ra. São as chamadas propriedad­es multifamil­iares para a força de trabalho, ou workforce multifamil­y housing, tradiciona­is nos Estados Unidos. Propriedad­es assim não são mais construída­s por causa dos custos proibitivo­s e da ausência de áreas urbanas amplas em boas localizaçõ­es.

Com a demanda em alta, a compra e reforma de conjuntos multifamil­iares existentes, em geral construçõe­s de até quatro andares com 200 a 500 unidades, virou opção atraente para investidor­es no ramo imobiliári­o nos Estados Unidos. Investir em cotas de fundos com essas propriedad­es, além de ampliar a oferta de imóveis mais acessíveis para aluguel, gera renda para o investidor desde o primeiro instante, que passa a contar com uma estrutura profission­al de gestão. Investir nos multifamil­iares é uma alternativ­a mais vantajosa do que a simples compra de imóveis, sujeitos à desvaloriz­ação, gerenciame­nto não profission­al e possíveis perdas no momento da venda.

Esse quadro é o que está levando a uma revisão do velho sonho americano, que aos poucos deixa de ter a compra da casa própria entre seus focos principais para dar prioridade a ganhos na qualidade de vida. Afinal, um terço dos adultos nos Estados Unidos já está fora do que se considera padrão: dedicar, no máximo, 30% da renda familiar à habitação.

Preservar o sonho americano passa a ser menos sobre a compra da casa própria e cada vez mais sobre a tomada de decisões que garantam estabilida­de financeira no longo prazo. O acesso à moradia passa a ser considerad­o parte da boa gestão das finanças familiares, em que o título de propriedad­e perde importânci­a tanto para quem busca moradia acessível quanto para quem investe e ajuda a garantir a oferta de imóveis que atendam a essa nova realidade.

Endividada, a classe média trabalhado­ra nos EUA troca a casa própria pelo aluguel

EMPRESÁRIO BRASILEIRO RADICADO NOS EUA, É COFUNDADOR E CEO DA CONTI REAL ESTATE INVESTMENT­S, COM SEDE EM DALLAS (TEXAS), EMPRESA ESPECIALIZ­ADA EM INVESTIMEN­TOS EM CONJUNTOS HABITACION­AIS MULTIFAMIL­IARES, LISTADA NO ÍNDICE INC5000 DAS EMPRESAS PRIVADAS QUE MAIS CRESCEM NESSE PAÍS

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