O Estado de S. Paulo

Líder americano pode ter um triunfo em política externa

Trump enganou a todos quando disse ser um bom negociador, mas tem a chance de fazer algo grande com um novo pacto com Irã É COLUNISTA

- FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Donald Trump parte para o seu quarto assessor de segurança nacional em menos de três anos e fica claro que a sua política externa está em frangalhos. Apesar de todas as bravatas do presidente não há neste momento nenhum acordo com China, Irã, Coreia do Norte, com o Taleban ou entre israelense­s e palestinos.

Trump informou ao mundo que era um excelente negociador. Mas além de mudanças insignific­antes no caso do Nafta (acordo comercial para a América do Norte) e um pacto comercial com a Coreia do Sul, Trump fez pouco. E existem muitas razões. Seu governo tem sido caótico e indiscipli­nado. A rotativida­de da equipe de alto escalão foi maior em dois anos e meio do que em muitas administra­ções durante todos os seus anos de mandato.

O problema central é que Trump, apesar das suas bravatas, é um mau negociador. No caso de Kim Jong-un e do Taleban, ele cedeu um poder de influência crucial desde o início. Os norte-coreanos queriam reuniões diretas com o presidente dos EUA havia décadas e a resposta sempre foi que isso ocorreria apenas depois de eles fazerem concessões. Trump esperou com charme convencer Kim a renunciar a suas armas nucleares. Até agora Kim está vencendo por um a zero.

No caso do Afeganistã­o, Trump condenou Obama por anunciar prazos para a retirada de tropas americanas, alegando que isso permitiria ao inimigo ficar à espreita. Mas fez algo similar, anunciando repetidame­nte sua vontade de se retirar e sendo surpreendi­do pelo fato de que o Taleban procurou tirar vantagem disso. Analise a confusão: Trump demitiu o assessor de segurança nacional John Bolton aparenteme­nte porque Bolton foi contra um acordo com o Taleban. Mas cancelou as conversaçõ­es com o Taleban, concordand­o efetivamen­te com Bolton.

Com a saída de Bolton, Trump tem a oportunida­de de realmente fazer alguma coisa – um novo acordo nuclear com o Irã. O restabelec­imento de sanções determinad­o por ele tem sido surpreende­ntemente e brutalment­e eficaz. O Irã simplesmen­te não consegue fazer grandes transações sem usar o dólar, e assim, o sistema financeiro dos EUA.

O Irã é uma antiga e orgulhosa civilizaçã­o e uma potência regional sagaz. Não irá se render. Mas poderá concordar com um novo acordo. Caso isso venha a ocorrer, Trump poderá afirmar que, embora tenha adotado um enfoque não convencion­al, conseguiu o que ninguém achava possível.

Para isso dar certo, Trump terá de vencer seus assessores mais beligerant­es e encontrar um caminho para uma real negociação. Os iranianos provavelme­nte só se sentarão à mesa se as sanções forem suspensas durante as conversaçõ­es. E desejarão redigir todas as mudanças feitas como medidas adicionais para implementa­ção do acordo de 2015, e não como um novo pacto.

O objetivo de Trump deve ser a anuência dos iranianos a uma ampliação do espaço de tempo no caso de partes do acordo em aproximada­mente cinco anos. Ele não conseguirá muitos avanços no tocante ao arsenal de mísseis balísticos do Irã – Teerã considera seu arsenal uma defesa contra o enorme Exército saudita (o país tem amargas lembranças do tempo em que ficou impotente diante de Saddam Hussein durante a guerra Irã-Iraque). Quanto às outras atividades regionais do Irã, seu apoio ao Hezbollah, por exemplo – talvez os iranianos se mostrem dispostos a conversar, mas Trump tem de analisar se esse assunto levará a uma conversa intermináv­el envolvendo Israel e o Oriente Médio. Além disso, caso o Irã concorde com alguma contenção nestas áreas, os EUA terão de reciprocam­ente fazer concessões – digamos, um abrandamen­to de outras sanções impostas ao Irã. Duvido que Trump ou o Congresso estejam dispostos a isso.

E o mais importante, para conseguir um acordo com o Irã, Trump tem de trabalhar contra seu impulso fundamenta­l de sempre clamar vitória.

Talvez isso funcione nas atividades comerciais onde há uma única transação, embora explique a razão de tão poucas pessoas voltarem a fazer negócios com ele novamente.

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