“A universidade precisa se aproximar da sociedade”
O professor Eric Mazur, da Universidade Harvard, vem a São Paulo falar sobre como a educação e a tecnologia podem transformar o mundo para melhor
Compreender as mudanças que a tecnologia proporciona para o mundo da educação e transformar o dia a dia de gestores e professores para usar a inovação como forma de melhorar a qualidade do ensino. Essa é a proposta do 21º FNESP, o maior fórum de ensino superior da América Latina. Organizado pelo Semesp, entidade que congrega faculdades e universidades de todo o País, o evento será realizado nos dias 26 e 27 de setembro, em São Paulo. E trará ao Brasil diversos especialistas no tema.
O físico holandês Eric Mazur é um deles. Professor da Universidade Harvard, em Cambridge (Estados Unidos), é um dos maiores estudiosos de inovação acadêmica. No final dos anos 1990, começou a espalhar pelo mundo uma estratégia batizada de peer instruction (educação por pares), que até hoje é considerada um grande avanço no ensino — ao incentivar as trocas entre os estudantes como forma de aprender cada vez mais. Em entrevista por vídeo, Mazur adiantou os principais tópicos que serão abordados em sua palestra no FNESP.
MUDAR A MENTALIDADE
“No mundo, hoje, as pessoas trabalham em conjunto, usam os computadores para acessar todo tipo de informação, têm a chance de conversar com quem quiserem. Na universidade, porém, o ambiente é totalmente diferente da vida real. O que mais se vê é um professor, numa sala de aula ou num auditório, dando aulas expositivas, em que ele tenta passar um conhecimento e os estudantes têm pouca interação entre si. É por isso que as escolas precisam mudar, para atender às necessidades da sociedade e formar jovens mais criativos, que saibam atuar juntos e consigam aprender o tempo todo.”
TRABALHO EM EQUIPE
“Ensinar a trabalhar em equipe exige ajustes importantes na prática educacional. Desde 1991 venho lutando por isso, como professor e palestrante. Eu gosto de dar um exemplo bem prático, mas ainda pouco comum nas salas de aula das universidades: se você quer passar uma tarefa para ser resolvida em grupo, não basta apresentar um problema de que um estudante sabe uma parte, outro sabe mais um pouco e assim por diante. O que realmente importa é propor um problema que seja mais complexo para todos, que seja um desafio para todos. Só assim eles terão, de fato, de trabalhar em conjunto para achar a solução. E só isso é capaz de criar o que eu chamo de responsabilidade social do estudo, que é o mesmo que se espera quando vamos para o mercado de trabalho — que nossa atuação tenha uma responsabilidade social.”
PREPARAR PARA O FUTURO
“O cérebro humano ainda tem grandes vantagens em relação às máquinas: somos criativos e temos capacidade de análise. É por isso que a educação tem de preparar os jovens para o futuro, não mais fazer como no início do século 20. Temos de ensinar a pensar, a fazer curadoria de informação, a saber acessar e escolher. Parece mentira, mas vivemos numa época em que, para muitas pessoas, é difícil distinguir fatos de ficção. Em todo o mundo sobram mentiras e notícias falsas (fake news). E essas pessoas acham que basta escolher o que é real, decidir sozinhas a sua verdade. Isso é muito preocupante, e a solução é dar valor à ciência, à educação. Por isso os professores têm um papel tão importante na sociedade atual.”
AS NOVAS TECNOLOGIAS
“Muitos colegas brincam que, na média, há pouco uso de inteligência real em nosso dia a dia — quem dirá de inteligência artificial. É claro, porém, que a tecnologia já mudou muita coisa e vai mudar ainda mais. Vejo grandes
“O MAIOR IMPACTO DA TECNOLOGIA NO ENSINO SERÁ PREPARAR OS ESTUDANTES PARA ESTUDAR MELHOR”
avanços na área de diagnósticos médicos, por exemplo. Fala-se muito também no chamado machine learning, que é a capacidade de fazer as máquinas aprenderem sozinhas. Isso tem tudo a ver com as universidades. Acredito que, no futuro breve, o maior impacto da tecnologia no ensino será preparar os estudantes para estudar melhor.”