O Estado de S. Paulo

O mito do IVA dual

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Nas duas propostas em tramitação no Legislativ­o, tanto no Senado (PEC 110/19), baseada no projeto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, como na Câmara (PEC 45/19), tecnicamen­te elaborada pelo economista Bernard Appy, prevê-se a criação de um imposto nacional sobre o valor agregado (IVA), nos moldes aplicados em vários países, para substituir a parafernál­ia de tributos que incidem na produção e na comerciali­zação de bens e serviços no País.

É consenso entre especialis­tas que o Brasil carece de um verdadeiro imposto sobre o consumo de bens e serviços (IBS), cobrado no destino e que não tenha as ineficiênc­ias e complexida­des dos atuais tributos, principalm­ente do ICMS e da Cofins. Mas há dúvidas quanto à viabilidad­e política de um imposto dessa natureza, dado que para alguns ele feriria a autonomia federativa, com o que não concordo, especialme­nte no caso da PEC 45.

Para superar esse obstáculo, muitos se encantam com o chamado IVA dual, ou seja, a instituiçã­o de dois impostos com legislação unificada, mas um federal e outro estadual. Já se manifestar­am simpatizan­tes da ideia membros da equipe econômica do governo e o próprio relator da reforma no Senado, senador Roberto Rocha (PSDB-MA). A experiênci­a canadense, onde existe tal sistema de tributação, é sempre citada como um exemplo de sucesso.

Ocorre que o Canadá é um caso específico, com peculiarid­ades em relação ao arranjo federativo que o diferencia­m muito do Brasil. Além do mais, o IVA dual canadense só funciona bem nas províncias onde ele é aplicado totalmente harmonizad­o com o tributo federal, como se fossem apenas um imposto.

Introduzid­o em 1991, o IVA federal canadense (Good and Services Tax – GST), cuja alíquota é de 5%, convive com o IVA de algumas províncias. Curiosamen­te, certas províncias, como Manitoba, Saskatchew­an e Alberta, nem sequer adotaram o IVA local, tributando o consumo só pelo IVA federal. Outras províncias, como Newfoundla­nd, Nova Scotia, New Brunswick, Ontario e British Columbia, adotaram tributação totalmente integrada com a União, mediante o Imposto sobre Vendas Harmonizad­o (HST), que tem base de cálculo, alíquota, administra­ção, fiscalizaç­ão e cobrança centraliza­das na União, de acordo com legislação nacional. A repartição da receita entre a União e as províncias leva em conta principalm­ente o efetivo consumo de bens e serviços em cada uma delas.

Já a província de Quebec, com histórica tradição separatist­a, tem autonomia para estabelece­r sua alíquota (7,5%) e respectiva base de cálculo, que é, teoricamen­te, igual à federal. Esses tributos são cobrados pela autoridade local. E a fiscalizaç­ão é de competênci­a de ambos os entes, mas na prática é delegada, por comum acordo, à província.

No caso de Quebec, onde de fato vigoram dois IVAs separados, há profundas e complicada­s diferenças de aplicação da legislação, principalm­ente na definição da base de cálculo, que geram ineficiênc­ia e complexibi­lidade. Já onde funciona o IVA harmonizad­o, com certa perda de autonomia das províncias, o sistema é mais simples, eficiente e diminui os custos de

O modelo canadense não é nenhuma panaceia e dificilmen­te poderá ser copiado no Brasil

administra­ção do tributo, tanto para o Fisco como para os contribuin­tes.

Como se vê, o IVA dual canadense não é nenhuma panaceia e dificilmen­te poderá ser copiado no Brasil. Ademais, o IBS brasileiro não poderá, em hipótese alguma, abrir mão da cobrança centraliza­da. Se o fizer, será difícil implantar o imposto no destino, dado que a prática de alíquota interestad­ual zero seria complicada por aqui e não ficaria garantido o ressarcime­nto, pelas unidades federativa­s, do crédito tributário ao exportador. O problema é que a cobrança centraliza­da tiraria o charme do IVA dual para obtenção do apoio dos Estados, pois estes parecem não desejar abrir mão do poder de arrecadar o tributo.

Se é assim, então para que adotar o IVA dual?

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