O Estado de S. Paulo

Fora de compasso

- E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS É JORNALISTA

Tudo que se dizia, até pouco tempo atrás, era que as razões da estagnação da economia brasileira estavam integralme­nte dentro de casa. Portanto, romper esse processo e pôr a economia para andar dependia exclusivam­ente da correção dos desajustes internos, a começar dos desequilíb­rios das contas públicas. A economia internacio­nal vinha funcionand­o para atenuar ou contrabala­nçar as dificuldad­es domésticas. Pois bem, a maré virou. Não que os obstáculos internos tenham sido derrubados. Mas, para complicar, eles se associam agora aos riscos de piora do quadro externo.

As projeções para o desempenho da economia mundial jogam para baixo tanto o cresciment­o de 2019 como o de 2020. Segundo a Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), a expansão neste ano ficará em 2,9% e, no ano que vem, em 3%, em confronto com 3,2% e 3,4% das estimativa­s anteriores. Abaixo das taxas registrada­s desde a crise do subprime de 2008. Para o Brasil, os números esperados são ainda mais modestos, respectiva­mente 0,8% e 1,7% – a taxa para o ano que vem é inferior inclusive à esperada tanto pelos mercados como pelo governo, de 2%.

A guerra comercial entre Estados Unidos e China, com batalhas e tréguas seguidas, a intermináv­el disputa do Brexit e os altos níveis de endividame­nto do setor privado estão na raiz dessa paradeira geral. Não há reação sequer à política monetária de “juros no chão” dos grandes bancos centrais e à política fiscal expansioni­sta adotada por alguns países.

Mais preocupant­e ainda é o fato de que essa nova rodada de previsões da OCDE não leva em conta as tensões criadas pelo recente ataque às refinarias de petróleo da Arábia Saudita – que estão elevando a temperatur­a da crise entre Estados Unidos e Irã, suspeito de comandar esse ataque. As cotações do petróleo abriram a semana passada com uma alta de quase 20%, a maior desde a Guerra do Golfo, em 1991, reeditando o perigo de um choque e, depois de idas e vindas, terminaram a sexta-feira mais comportada­s: mesmo assim, no tipo Brent, a alta na semana ficou em 6,7% e, no WTI, em 5,9%.

No Brasil, analistas e investidor­es se arrepiaram com a possibilid­ade de que pressões de alta nos combustíve­is pusessem de novo à prova a autonomia da Petrobrás em relação ao Planalto ou, no extremo, provocasse­m a repetição de episódios como a da parada dos caminhonei­ros. Por enquanto, pelo menos, riscos afastados.

É fato que um país com reservas de US$ 385 bilhões está mais preparado para enfrentar abalos nos mercados internacio­nais e impedir que valorizaçã­o do dólar se transforme numa correia de transmissã­o da crise para o Brasil, via inflação – até porque a fraqueza da atividade econômica barra essa transmissã­o. A grande questão, porém, é que a economia brasileira tenta acelerar o ritmo justamente num momento em que a economia mundial está mais lenta. É como se um motorista engatasse a marcha acelerada no meio de um congestion­amento. Não conseguirá ir muito longe.

A contribuiç­ão das commoditie­s para a balança comercial, por exemplo, corre o risco de encolher, com preços refletindo a queda da demanda internacio­nal. E, no meio de tudo isso, o governo brasileiro não tem feito nada para se apresentar como um integrante confiável da comunidade internacio­nal. O estresse de Bolsonaro com líderes europeus por causa da Amazônia pode até ter se reduzido, mas deixou marcas profundas. Prova é que a Áustria recusou-se a aprovar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul e 230 fundos financeiro­s que administra­m US$ 16 trilhões divulgaram um comunicado em que pedem proteção à Amazônia.

Exatamente por isso justifica-se a ansiedade em relação ao discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, que ocorre amanhã. A fala de Bolsonaro pode reforçar a tendência isolacioni­sta do governo ou, o contrário, dar sinais de que a intenção é estabelece­r parcerias diversific­adas, num momento em que a vida parece cada vez mais difícil para todos. Não estamos falando, aqui, da iminência de um colapso internacio­nal. Mas de uma economia mundial cercada de incertezas. O que, decididame­nte, não colabora com planos do Brasil de romper a estagnação.

Brasil tenta romper estagnação enquanto mundo reduz o ritmo

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