O Estado de S. Paulo

Sem Bolsonaro, líderes debatem futuro da Amazônia

Cúpula do Clima da ONU foi comandada por Macron; hoje, presidente brasileiro abre Assembleia-Geral da ONU

- Beatriz Bulla Giovana Girardi Paulo Beraldo / NOVA YORK *OS REPÓRTERES PAULO BERALDO E GIOVANA GIRARDI VIAJARAM A CONVITE DA ONU E DA ORGANIZAÇíO NO PEACE WITHOUT JUSTICE, RESPECTIVA­MENTE

Sem a presença do governo brasileiro, excluído por não ter apresentad­o propostas para o combate às mudanças climáticas, líderes mundiais discutiram ontem, na sede da ONU, o futuro das florestas tropicais no mundo. A Cúpula do Clima foi comandada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com quem Jair Bolsonaro recentemen­te travou embate em torno da questão ambiental. Apenas o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), represento­u o País, mas não pôde falar por causa de obstrução da Colômbia, feita a pedido do Itamaraty. Presidente­s de diversos países anunciaram a liberação de US$ 500 milhões para ajudar a proteger as florestas tropicais. Bolsonaro fará hoje o discurso de abertura da Assembleia­Geral da ONU. A expectativ­a é de que ele defenda os compromiss­os ambientais do País e a soberania sobre a Amazônia. Nos EUA há seis dias, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem feito um périplo por redações de veículos de comunicaçã­o para dizer que as queimadas estão dentro de uma média dos últimos 15 anos.

Na véspera do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU), o Brasil ficou isolado do principal foro de discussão sobre meio ambiente, tema que tem causado desgaste para o governo brasileiro no exterior e deve ser central na fala do presidente na abertura do encontro da ONU em Nova York. Ontem, líderes internacio­nais, entre eles o presidente francês, Emmanuel Macron, debateram os rumos das florestas tropicais no mundo – incluindo a Amazônia, a maior delas – sem a presença de representa­ntes do governo brasileiro.

A Assembleia-Geral da ONU se tornou o maior teste de política externa para Bolsonaro, que desembarco­u na tarde de ontem na cidade americana. Conforme a tradição, o presidente do Brasil é o responsáve­l pelo discurso de abertura, mas o que difere dos anos anteriores é a atenção que tem sido dispensada ao País. Pouco menos de um mês antes do evento, imagens da Amazônia em chamas foram parar nas manchetes dos principais jornais estrangeir­os e as queimadas na floresta viraram assunto de líderes mundiais.

Ontem, enquanto Bolsonaro viajava de Brasília a Nova York, presidente­s de diversos países anunciavam, em reunião da Cúpula do Clima da ONU, a liberação de US$ 500 milhões do Banco Mundial, do Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento e da ONG Conservaçã­o Internacio­nal para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo.

O encontro foi liderado por Macron, com quem Bolsonaro travou em setembro uma queda de braço em torno da questão ambiental. Apenas o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), represento­u o País, e sem espaço de fala, após uma oposição feita pela Colômbia. A articulaçã­o para barrar a manifestaç­ão de Góes foi feita pelo Itamaraty, conforme o Estado apurou.

O governo brasileiro tenta fazer dos corredores das Nações Unidas um palco para gestão da crise diplomátic­a que teve como fator de combustão as falas de Bolsonaro – durante a campanha e já na cadeira de presidente – sobre política ambiental e a exploração da floresta.

Bolsonaro terá 20 minutos para seu discurso. Deverá defender a soberania do País e os compromiss­os ambientais. Nos Estados Unidos há seis dias, o ministro

do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem concedido entrevista­s à imprensa internacio­nal para afirmar que as queimadas estão dentro de uma média dos últimos 15 anos.

O Planalto tem contestado o que chama de tentativa de intervençã­o e de ferir a soberania brasileira. Com base neste argumento, Macron já foi alvo de ataques. No evento de ontem, o francês quis se mostrar aberto ao diálogo, mas criticou a ausência do Brasil, que detém mais de 60% de todo o bioma amazônico, dividido com oito países.

“Riscos? Francament­e, tem um primeiro... Todo mundo pergunta: como vai fazer sem o Brasil? O Brasil é bem-vindo, eu acho que todos devem trabalhar com o Brasil, com os Estados da região. É bom que isso

aconteça de forma respeitosa. As próximas semanas permitirão uma solução política que será um avanço”, disse Macron.

Fundo. O presidente francês, que vem se indispondo desde a reunião do G-7 com Bolsonaro, questionou o posicionam­ento do País sobre o Fundo Amazônia. “A gente se reúne, tem números, palavras, mas nada de resultado. Quando eu olho para as coisas, o que me inquieta é o Fundo Amazônia, que foi suspenso porque o Brasil não cumpriu a integralid­ade dos critérios que foram definidos”, disse Macron se referindo à suspensão de parte dos repasses por Noruega e Alemanha, os dois principais colaborado­res do fundo.

Ao Estado, Góes, que estava representa­ndo os Estados da região como presidente do Consórcio da Amazônia Legal, afirmou achar uma “pena” não ter tido a chance de se pronunciar. “É um debate importantí­ssimo, vimos pessoas do mundo inteiro se posicionan­do sobre a Amazônia e não teve ninguém do governo brasileiro falando.”

Apesar de liberação de US$ 500 milhões para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo, o governo brasileiro tem rejeitado ajuda internacio­nal que venha com o selo dos europeus. Cerca de uma hora depois do evento, Salles foi alertado por um assessor de que Macron estava a poucos metros de distância dele, em uma antessala de conferênci­as da ONU.

O ministro do Meio Ambiente buscou o francês com o olhar, mas preferiu não ir até ele. Questionad­o pelo Estado sobre o anúncio da nova verba, Salles respondeu: “É por semana ou por mês que irão pagar isso?”. O ministro não se manifestou sobre a ausência do Brasil no encontro.

Já o chanceler Ernesto Araújo, que tinha na agenda uma reunião do Grupo de Lima sobre Venezuela, trocou o debate sobre o país vizinho por um encontro protagoniz­ado pelo governo americano sobre proteção às liberdades religiosas.

Trump. Bolsonaro não contou com um aceno de boas-vindas do presidente americano, Donald Trump. Apesar de dizer, no corredor da ONU, que o brasileiro “é um bom homem”, Trump não teve um encontro com Bolsonaro. O americano esteve no hotel onde Bolsonaro está hospedado, em reuniões, mas os dois não se viram. Trump deixou o hotel Interconti­nental por volta das 18h40, duas horas depois de Bolsonaro chegar ao local.

Segundo assessores, Bolsonaro chegou cansado do voo, no qual sentiu desconfort­o, e evitou compromiss­os. Pela primeira vez, o presidente usou um quarto privado no avião presidenci­al para descansar. Ainda há possibilid­ade de uma reunião entre os dois hoje.

Trump tem sido o maior fiador do brasileiro no cenário internacio­nal, diante dos sinais do Planalto e do Itamaraty de que o governo Bolsonaro quer inaugurar uma “nova era” nas relações entre Brasil e EUA.

Bolsonaro debateu o texto do discurso com Araújo, com o ministro de Segurança Institucio­nal, Augusto Heleno, com o assessor de Relações Internacio­nais do Planalto, Filipe Martins, e com seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

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LUDOVIC MARIN / AFP ONU. Líderes de diversos países debateram os rumos das florestas tropicais, entre elas a Amazônia; Brasil não participou
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ALAN SANTOS/PR EUA. Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, desembarca­m

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