Sem Bolsonaro, líderes debatem futuro da Amazônia
Cúpula do Clima da ONU foi comandada por Macron; hoje, presidente brasileiro abre Assembleia-Geral da ONU
Sem a presença do governo brasileiro, excluído por não ter apresentado propostas para o combate às mudanças climáticas, líderes mundiais discutiram ontem, na sede da ONU, o futuro das florestas tropicais no mundo. A Cúpula do Clima foi comandada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com quem Jair Bolsonaro recentemente travou embate em torno da questão ambiental. Apenas o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), representou o País, mas não pôde falar por causa de obstrução da Colômbia, feita a pedido do Itamaraty. Presidentes de diversos países anunciaram a liberação de US$ 500 milhões para ajudar a proteger as florestas tropicais. Bolsonaro fará hoje o discurso de abertura da AssembleiaGeral da ONU. A expectativa é de que ele defenda os compromissos ambientais do País e a soberania sobre a Amazônia. Nos EUA há seis dias, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem feito um périplo por redações de veículos de comunicação para dizer que as queimadas estão dentro de uma média dos últimos 15 anos.
Na véspera do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ficou isolado do principal foro de discussão sobre meio ambiente, tema que tem causado desgaste para o governo brasileiro no exterior e deve ser central na fala do presidente na abertura do encontro da ONU em Nova York. Ontem, líderes internacionais, entre eles o presidente francês, Emmanuel Macron, debateram os rumos das florestas tropicais no mundo – incluindo a Amazônia, a maior delas – sem a presença de representantes do governo brasileiro.
A Assembleia-Geral da ONU se tornou o maior teste de política externa para Bolsonaro, que desembarcou na tarde de ontem na cidade americana. Conforme a tradição, o presidente do Brasil é o responsável pelo discurso de abertura, mas o que difere dos anos anteriores é a atenção que tem sido dispensada ao País. Pouco menos de um mês antes do evento, imagens da Amazônia em chamas foram parar nas manchetes dos principais jornais estrangeiros e as queimadas na floresta viraram assunto de líderes mundiais.
Ontem, enquanto Bolsonaro viajava de Brasília a Nova York, presidentes de diversos países anunciavam, em reunião da Cúpula do Clima da ONU, a liberação de US$ 500 milhões do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da ONG Conservação Internacional para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo.
O encontro foi liderado por Macron, com quem Bolsonaro travou em setembro uma queda de braço em torno da questão ambiental. Apenas o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), representou o País, e sem espaço de fala, após uma oposição feita pela Colômbia. A articulação para barrar a manifestação de Góes foi feita pelo Itamaraty, conforme o Estado apurou.
O governo brasileiro tenta fazer dos corredores das Nações Unidas um palco para gestão da crise diplomática que teve como fator de combustão as falas de Bolsonaro – durante a campanha e já na cadeira de presidente – sobre política ambiental e a exploração da floresta.
Bolsonaro terá 20 minutos para seu discurso. Deverá defender a soberania do País e os compromissos ambientais. Nos Estados Unidos há seis dias, o ministro
do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem concedido entrevistas à imprensa internacional para afirmar que as queimadas estão dentro de uma média dos últimos 15 anos.
O Planalto tem contestado o que chama de tentativa de intervenção e de ferir a soberania brasileira. Com base neste argumento, Macron já foi alvo de ataques. No evento de ontem, o francês quis se mostrar aberto ao diálogo, mas criticou a ausência do Brasil, que detém mais de 60% de todo o bioma amazônico, dividido com oito países.
“Riscos? Francamente, tem um primeiro... Todo mundo pergunta: como vai fazer sem o Brasil? O Brasil é bem-vindo, eu acho que todos devem trabalhar com o Brasil, com os Estados da região. É bom que isso
aconteça de forma respeitosa. As próximas semanas permitirão uma solução política que será um avanço”, disse Macron.
Fundo. O presidente francês, que vem se indispondo desde a reunião do G-7 com Bolsonaro, questionou o posicionamento do País sobre o Fundo Amazônia. “A gente se reúne, tem números, palavras, mas nada de resultado. Quando eu olho para as coisas, o que me inquieta é o Fundo Amazônia, que foi suspenso porque o Brasil não cumpriu a integralidade dos critérios que foram definidos”, disse Macron se referindo à suspensão de parte dos repasses por Noruega e Alemanha, os dois principais colaboradores do fundo.
Ao Estado, Góes, que estava representando os Estados da região como presidente do Consórcio da Amazônia Legal, afirmou achar uma “pena” não ter tido a chance de se pronunciar. “É um debate importantíssimo, vimos pessoas do mundo inteiro se posicionando sobre a Amazônia e não teve ninguém do governo brasileiro falando.”
Apesar de liberação de US$ 500 milhões para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo, o governo brasileiro tem rejeitado ajuda internacional que venha com o selo dos europeus. Cerca de uma hora depois do evento, Salles foi alertado por um assessor de que Macron estava a poucos metros de distância dele, em uma antessala de conferências da ONU.
O ministro do Meio Ambiente buscou o francês com o olhar, mas preferiu não ir até ele. Questionado pelo Estado sobre o anúncio da nova verba, Salles respondeu: “É por semana ou por mês que irão pagar isso?”. O ministro não se manifestou sobre a ausência do Brasil no encontro.
Já o chanceler Ernesto Araújo, que tinha na agenda uma reunião do Grupo de Lima sobre Venezuela, trocou o debate sobre o país vizinho por um encontro protagonizado pelo governo americano sobre proteção às liberdades religiosas.
Trump. Bolsonaro não contou com um aceno de boas-vindas do presidente americano, Donald Trump. Apesar de dizer, no corredor da ONU, que o brasileiro “é um bom homem”, Trump não teve um encontro com Bolsonaro. O americano esteve no hotel onde Bolsonaro está hospedado, em reuniões, mas os dois não se viram. Trump deixou o hotel Intercontinental por volta das 18h40, duas horas depois de Bolsonaro chegar ao local.
Segundo assessores, Bolsonaro chegou cansado do voo, no qual sentiu desconforto, e evitou compromissos. Pela primeira vez, o presidente usou um quarto privado no avião presidencial para descansar. Ainda há possibilidade de uma reunião entre os dois hoje.
Trump tem sido o maior fiador do brasileiro no cenário internacional, diante dos sinais do Planalto e do Itamaraty de que o governo Bolsonaro quer inaugurar uma “nova era” nas relações entre Brasil e EUA.
Bolsonaro debateu o texto do discurso com Araújo, com o ministro de Segurança Institucional, Augusto Heleno, com o assessor de Relações Internacionais do Planalto, Filipe Martins, e com seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).