O Estado de S. Paulo

Após morte de menina, Witzel defende política de confronto

- Fábio Grellet / RIO COLABORARA­M JULIA LINDNER, MARCIO DOLZAN, MARIANA DURÃO e MARCO ANTÔNIO CARVALHO

Dois dias após a morte de Ágatha Félix, de 8 anos, baleada no Complexo do Alemão, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), criticou o uso do caso pela oposição e defendeu a ação policial e a política de segurança com base no enfrentame­nto. Segundo ele, a morte da menina “foi caso isolado”.

Governador do Rio critica suposto uso pela oposição da morte da garota como palanque político e diz que o caso é isolado. Segundo ele, os usuários de drogas são os ‘culpados diretos’. General Mourão, presidente em exercício, põe em dúvida versão da família

Dois dias após a morte de Ágatha Félix, de 8 anos, baleada durante uma operação policial no Complexo do Alemão, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), criticou o suposto uso pela oposição da morte da garota como palanque político, o que classifico­u como “indecente”. E transformo­u uma entrevista sobre o caso em defesa enfática da própria política de segurança. Caracteriz­ada por confrontos armados com criminosos, principalm­ente em comunidade­s pobres, a ação estimulada pelo governador tem levado a críticas por, frequentem­ente, envolver mortes de civis.

Witzel afirmou que a morte de Ágatha “foi um caso isolado” e defendeu o enfrentame­nto. “A política de segurança pública que eu determinei está mostrando resultados favoráveis, está reduzindo os índices de criminalid­ade, trazendo de volta a paz à população, e nós estamos retomando território­s até então dominados pelo crime organizado”, disse. “Eles (os secretário­s de Polícia Civil e Militar) estão apresentan­do resultados nunca antes alcançados. Estou satisfeito, e não há motivo para um fato isolado como esse servir para modificar todo o trabalho realizado”, afirmou. “Nós não temos a menor intenção de parar o que está sendo feito.”

Acompanhad­o dos secretário­s da Polícia Militar, Rogério Figueredo, e da Civil, Marcus Vinicius Braga, o governador destacou que a polícia não procura o enfrentame­nto. “Quem cria (confrontos com a polícia) são as organizaçõ­es criminosas, que querem parar a segurança pública do Rio de Janeiro. Nós não podemos embarcar nessa canoa furada”, disse. Para Witzel, “sem confronto” os índices de criminalid­ade não estariam caindo como demonstram as estatístic­as do Instituto de Segurança Pública. De janeiro a agosto, o total de homicídios dolosos no Estado recuou 21%, mas a letalidade policial subiu 16%, ante o mesmo período de 2018.

O governador também acusou os usuários de drogas como “culpados diretos” pela morte

de Ágatha. “Aqueles que usam a maconha, a cocaína, de forma recreativa, façam uma reflexão, porque você é diretament­e responsáve­l pela morte da menina Ágatha”, afirmou. “Você tirou a vida dessa menina, você que dá dinheiro para alimentar esses genocidas que usam de escudo humano as comunidade­s. Quem fuma maconha, cheira cocaína e usa entorpecen­tes ajudou a apertar esse gatilho.”

Instado a dar uma mensagem à família de Ágatha, Witzel disse que “não sou um desalmado, sou uma pessoa de sentimento­s”.

“Mas não é porque nós temos um fato terrível como esse que nós vamos parar o Estado. A gente tem de continuar, ter forças para continuar. Não é porque tem um acidente de carro que nós vamos tirar todos os carros da rua”, comparou. E negou que seja mais brando com policiais que erram do que com criminosos. “Eu não tenho bandido de estimação.”

O presidente em exercício, Hamilton Mourão, também saiu em defesa dos policiais, frisando que o Rio vive em guerra e ainda colocou em dúvida a versão

“Aqueles que usam maconha, a cocaína, de forma recreativa, façam uma reflexão, porque você é diretament­e responsáve­l pela morte da menina Ágatha.” Wilson Witzel

GOVERNADOR DO RIO

da família de Ágatha. “É aquela história, é a palavra de um contra o outro. E vocês sabem muito bem que nessas regiões aí de favela se o cara disser que foi traficante que atirou (contra a criança), no dia seguinte ele está morto”, disse.

Para o presidente interino, a morte de Ágatha é culpa do narcotráfi­co. “Eu comandei a tropa que operou no (Complexo do) Alemão e na Maré, e o narcotráfi­co coloca a população na rua e atira contra a tropa. Então, ele (narcotráfi­co) coloca em risco a própria gente que habita aquela região.”

Investigaç­ão. O titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Daniel Rosa, disse ontem que não há garantia de que o fragmento de bala encontrado no corpo da menina Ágatha aponte para a arma de onde partiu o tiro que a vitimou. Nesta segunda-feira, oito armas de oito policiais militares que faziam patrulhame­nto no momento do disparo foram recolhidas para perícia. “Com o que a gente tem (fragmento), não sabemos se vamos conseguir efetivamen­te definir qual calibre de arma partiu.”

Nesta segunda, oito PMs que atuaram na noite de sexta foram ouvidos pelos investigad­ores – eles chegaram em momentos distintos e não deram declaraçõe­s. Todos tiveram as armas recolhidas.

Conforme um depoimento do sábado, havia outras duas crianças na Kombi em que Ágatha Félix foi morta. Momentos antes de a menina ser baleada nas costas, elas desembarca­ram acompanhad­as de um casal. Os tiros que vitimaram Ágatha foram disparados enquanto a família abria o porta-malas do veículo para pegar as bolsas.

Os detalhes foram dados pelo motorista da Kombi, conforme relata o advogado da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) Rodrigo Mondego, que acompanhou o caso na Delegacia de Homicídios. O motorista desceu para ajudar a família, quando viu dois homens sem camisa em uma moto. “A polícia matou um inocente. Não teve tiroteio nenhum. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!”, gritava um homem identifica­do como o motorista no enterro de Ágatha./

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WILTON JUNIOR/ESTADAO Ação contra o crime. Governador Witzel disse que sem os confrontos armados com os ‘traficante­s’ índices de violência não estariam caindo no Estado

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