O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

Diplomata afirma que a mudança de postura do País em relação ao meio ambiente inspira ‘desconfian­ça’ no mundo

- Paulo Beraldo / NOVA YORK O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇíO DAS NAÇÕES UNIDAS

Quem mata uma menina pode matar testemunha­s e impor versão de “legítima defesa” – com o estímulo do poder público.

O Brasil tem mais a perder do que ganhar ao adotar uma postura diferente em relação ao meio ambiente, pauta cuja defesa consolidou a imagem do País como um dos líderes globais dessa discussão nas últimas décadas, em especial em foros internacio­nais. “Houve a ruptura de um equilíbrio”, afirmou o diplomata Marcos Azambuja ao Estado.

Azambuja coordenou a Conferênci­a da ONU sobre Ambiente e Desenvolvi­mento, a Eco-92, realizada no Rio, com 108 chefes de Estado para conciliar desenvolvi­mento econômico com conservaçã­o dos recursos naturais, há 27 anos. “O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum e, agora, inspira desconfian­ça. O País não está sendo coerente com sua política ambiental desde a Eco-92”, disse o diplomata.

O Brasil se consolidou como protagonis­ta, nos últimos anos, da defesa do meio ambiente e do desenvolvi­mento sustentáve­l. O País estará agora diante do mundo na tribuna das Nações Unidas e enfrenta questionam­entos por causa dos incêndios na Amazônia e da política ambiental. Como chegamos até aqui?

Houve a ruptura de um equilíbrio. Há muitos anos, o Brasil não era mais alvo de nenhuma reação mundial. Pelo contrário, era parte de um consenso. Agora, passamos a ter um comportame­nto permissivo demais e acusamos ONGs e países de conspiraçã­o. Depois de tantos anos de harmonia, temos uma relação conflituos­a. O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum, mas agora inspira desconfian­ça. Resolveu se distanciar de um consenso sobre meio ambiente e direitos humanos. Ainda que o Brasil tivesse suas especifici­dades, estava de acordo com o ideário global, tinha uma ideia de atenção sustentada sobre desenvolvi­mento sustentáve­l. O mundo aceitava que o Brasil estava agindo com prudência, embora quisessem que fôssemos mais velozes.

O que fazer para mitigar possíveis danos na Assembleia-Geral das Nações Unidas?

No momento, desconfio da filosofia do nosso representa­nte. Em condições normais, o objetivo seria restabelec­er a confiança, já que a política externa é construída sobre confiança recíproca. Há uma repartição de responsabi­lidades, por isso é preciso diálogo e entendimen­to. Mas não vejo esses ingredient­es. Minha impressão é de que a situação, diplomatic­amente, tende a piorar antes de melhorar.

Que ganhos e prejuízos essa mudança em relação ao meio ambiente pode trazer?

Os prejuízos são mais fáceis de antever. Ganhos, não vejo nenhum. Vejo perdas na confiança internacio­nal e na credibilid­ade. O Brasil deveria oferecer credibilid­ade para ter acesso a órgãos mais importante­s e a mais mercados. A desconfian­ça é terrível, afeta investimen­tos, o turismo, a parte cultural. É bom ser visto como pacífico, construtiv­o, como um país que contribui para a criação de um consenso internacio­nal. O Brasil é naturalmen­te um país multilater­alista, tem dez vizinhos. Nossa vocação é o convívio, o diálogo, a integração, e temos de manter isso. Então, em termos de política externa, não é um bom momento.

Um dos marcos do País na defesa ambiental foi a Eco-92, da qual o sr. foi coordenado­r. O mérito da Rio-92 foi encontrar no desenvolvi­mento sustentáve­l uma fórmula salvadora. Ela foi marcada por grande otimismo. E dali surgiram muitos instrument­os que consagrara­m a ideia do desenvolvi­mento sustentáve­l. Ela leva ao Protocolo de Kyoto, ao Acordo de Paris. Era uma fórmula que parecia boa para todos. O que não se imaginou é que a degradação do meio ambiente fosse ser potencialm­ente tão veloz e tão ameaçadora. Depois de Kyoto, há uma divisão: aqueles que pensavam que alterações climáticas tinham poucos anos para serem remediadas e os que acham essa visão um imenso exagero.

E no Brasil, o que mudou?

O País incorporou no seu ideário nacional a proteção do meio ambiente. Deixou de ser uma ‘ideia estrangeir­a’ para ser uma causa nacional. O Brasil começou a cuidar do meio ambiente não porque fosse bom para a Dinamarca, mas porque uma floresta queimada é ruim para nós. Então, se alinha com uma boa causa, participa de todas as COPs, da Rio +10, da Rio+20, até que assinamos as convenções do Acordo de Paris. O País ia navegando de maneira tranquila em harmonia com o mundo. Mas, agora, o Brasil não está sendo coerente com a sua política ambiental desde a Eco-92.

“Há muitos anos, o Brasil não era mais alvo de nenhuma reação mundial. Agora, acusamos ONGs e países de conspiraçã­o. Depois de tantos anos de harmonia, temos uma relação conflituos­a.”

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MARCOS DE PAULA/ESTADÃO Diplomata. Marcos Azambuja coordenou a Conferênci­a da ONU sobre Ambiente e Desenvolvi­mento, a chamada Eco-92

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