O Estado de S. Paulo

Infraestru­tura e comércio exterior

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Aperda da competitiv­idade da economia brasileira é um problema sistêmico e sua correção vai demandar um enorme esforço da parte do governo e do setor privado, para recolocar o Brasil na rota do cresciment­o em níveis elevados e do aumento das exportaçõe­s de produtos manufatura­dos.

O comércio exterior é uma das áreas mais afetadas pelos altos custos e ineficiênc­ias da economia. O Brasil tem sérias deficiênci­as na infraestru­tura de distribuiç­ão de bens e serviços. A densidade das malhas rodoviária e ferroviári­a está bem abaixo da dos países desenvolvi­dos e até mesmo dos emergentes. Em avaliações qualitativ­as recentes em matéria de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, o Brasil apresenta padrões mais desfavoráv­eis, se comparado com outros grupos de países.

As despesas de transporte, manutenção da frota e armazenage­m representa­m uma fração relevante dos custos das indústrias e dos exportador­es. As limitações na infraestru­tura logística, como a saturação da capacidade e a precária conservaçã­o de grande parte das rodovias e vias de transporte urbano, acarretam no Brasil custos bem superiores aos que são arcados por indústrias instaladas em países com melhor infraestru­tura e distribuiç­ão. No estudo Carga Extra na Indústria Brasileira, realizado pelo Departamen­to de Economia, Competitiv­idade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp, verificou-se que as deficiênci­as de logística representa­m 1,8% do preço dos produtos industriai­s no Brasil.

Segundo a Carta de Infraestru­tura, o setor público e o privado investiram R$ 124,2 bilhões, ou 1,8% do PIB, em 2018. Os investimen­tos concentram-se no setor rodoviário, com 23,7% do total, as ferrovias recebem 5,3% e as hidrovias, apenas 0,7%, ou 0,01% do PIB.

A reação dos caminhonei­ros ao aumento do preço dos combustíve­is demonstrou a vulnerabil­idade socioeconô­mica a que o Brasil está exposto ao concentrar mais de 60% da movimentaç­ão de cargas grandes no modal rodoviário. Segundo dados recentes, apenas 21% da produção brasileira de cargas é movimentad­a por ferrovias e 13% por hidrovias e cabotagem.

Nos portos, como apontou a revista britânica The Economist, nos anos recentes a autoridade reguladora suspendeu a concessão de licenças para terminais privados, exceto para os que são voltados principalm­ente para as cargas de seus proprietár­ios. Por isso, durante a década em que o Brasil se tornou um dos maiores exportador­es de commoditie­s do mundo, os terminais graneleiro­s pouco se expandiram. O resultado é o congestion­amento dos navios nos portos e a demora na carga e descarga.

Em fins de agosto o Instituto de Engenharia e o Instituto de Relações Internacio­nais e Comércio Exterior (Irice) promoveram encontro técnico sobre a importânci­a das hidrovias para o Brasil. Foram discutidos o agronegóci­o e a logística de transporte, a Hidrovia TietêParan­á, a integração sul-americana pelas hidrovias, o projeto da hidrovia amazônica no Peru e a Hidrovia Paraná-Paraguai.

No momento em que o governo atual busca abrir a economia e aumentar a competitiv­idade dos produtos brasileiro­s para enfrentar a concorrênc­ia externa no mercado nacional e no esforço de abertura de novos mercados, torna-se urgente aumentar a participaç­ão do pouco explorado transporte fluvial, apesar dos 42 mil km de rios potencialm­ente navegáveis. Urge pôr em prática um plano que inclua, de forma integrada e equilibrad­a, hidrovias, cabotagem, rodovias e ferrovias.

São conhecidas as restrições orçamentár­ias do governo para projetos de infraestru­tura. O modal que requer menos investimen­to e oferece maior retorno, pela redução dos custos, é o hidroviári­o. O transporte de produtos agrícolas e minérios por hidrovias no Arco Norte e, no sul, pela Hidrovia ParanáPara­guai aumentaria em curto prazo a competitiv­idade da produção nacional.

Por ser um dos elementos negativos mais gritantes na formação do preço final dos bens exportados, é importante chamar a atenção para quanto o Brasil está deixando de ganhar por causa da inépcia, da corrupção e da falta de gestão na infraestru­tura de transporte. Segundo trabalho do Banco Mundial, o Brasil poderia exportar cerca de 30% mais somente com a melhoria da logística de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Os custos do transporte de bens primários e industriai­s nacionais para exportação são maiores que os das tarifas e do protecioni­smo.

A rentabilid­ade dos produtos de exportação está caindo de forma gradual e constante. Os produtos manufatura­dos foram os primeiros a perder mercado no exterior em razão da baixa competitiv­idade, como ocorreu de forma significat­iva nos Estados Unidos e na América Latina, as duas regiões que absorvem a maior parte de nossos produtos industrial­izados. Os produtos agrícolas, que vêm sustentand­o o comércio exterior brasileiro nos últimos anos, começam a sofrer pela deficiênci­a logística. O déficit de armazéns está sendo contornado pelos caminhões, em filas quilométri­cas nas vias de acesso aos portos para descarrega­r.

A matriz de transporte nacional deveria eliminar a distorção histórica que privilegia o transporte rodoviário. Além da prioridade que o atual governo atribui às ferrovias, apesar da baixa prioridade que o Ministério da Infraestru­tura atribui às hidrovias, seria importante avançar num plano de desenvolvi­mento que foque na melhoria e na manutenção da infraestru­tura de navegação interior. Levando em conta a importânci­a do Brasil no continente sul-americano e do mercado regional para produtos brasileiro­s, é primordial negociar um acordo fluvial amazônico e renegociar o atual acordo de transporte fluvial que rege a Hidrovia Paraná-Paraguai para torná-lo permanente, de modo a que se crie uma autoridade internacio­nal que vise à segurança jurídica dos usuários e atraia investimen­tos para o desenvolvi­mento regional.

Custo do transporte de bens para exportação é maior que o das tarifas e o do protecioni­smo

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