O Estado de S. Paulo

Prioridade­s

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

No setor público, ao contrário do setor privado, não priorizar uma atividade não significa necessaria­mente deixar de provê-la. Por outro lado, também no setor público transforma­r exige estabelece­r prioridade­s. Esse é um dos pontos do livro How to Run a Government (Como Administra­r um Governo), de Michael Barber, ex-chefe da Unidade de Resultados do governo inglês entre 2001 e 2005, que também escreveu Instructio­ns to Deliver: Fighting to Transform Britain’s Public Services (Instruções para Entregar: Lutando para Transforma­r os Serviços Públicos Britânicos). Mas definir prioridade­s exige, além de disciplina, definir o que não é prioridade.

Esse é um conceito árido num Brasil que, ao longo de décadas, viveu sem planejamen­to, sem atender a restrições fiscais, sem avaliar o impacto de políticas públicas e num crescente loteamento de cargos e, consequent­emente, de orçamentos cuja motivação estava longe de ser o atendiment­o das nossas tantas carências. Mas há que se reconhecer, o atual colapso fiscal brasileiro tem tido um efeito educativo.

Passamos décadas sem nos preocuparm­os com o descontrol­e fiscal, com os custos da má gestão pública ou da apropriaçã­o do Estado por grupos de interesse. Ignoramos que escolhas geram trade-offs, ou seja, que em qualquer decisão, há sempre algo que fica preterido. Fizemos de conta que não havia custos de oportunida­de, como se fazer algo não implicasse necessaria­mente o custo de deixar outra coisa de lado. Preocupaçõ­es em avaliar os efeitos das políticas públicas passaram ao largo. Dobrava-se a meta, e a consequent­e alocação de recursos, sem sabermos a que resultados estávamos chegando.

Mas os capítulos educativos surgiram na medida em que a crise se estabelece­u e ficou. O primeiro deles, e de grande relevância, foi a discussão da reforma da Previdênci­a. Pena que ainda devemos sucumbir mais um pouco às pressões corporativ­istas que conseguem sempre justificar seus privilégio­s perante um Congresso claramente menos sensível às mazelas da população do que à grita das associaçõe­s de servidores públicos. Mais uma perda, no apagar das luzes da aprovação final. Mas até isso hoje fica mais claro do que no passado. Sabemos quem ganha e quem perde. Outros exemplos são a discussão do Orçamento de 2020 e os ataques ao teto de gastos. Até artigo com erros ganhou espaço na mídia – e outro espaço para deixar claro o erro.

Mas o capítulo mais recente foi a liberação de R$ 12,5 bilhões do Orçamento previament­e contingenc­iado. Há mais a se depreender dali do que parece à primeira vista. As linhas vinculadas aos gastos com Educação levaram a maior parcela dos recursos liberados. Os quase R$ 2 bilhões representa­m pouco perto do orçamento da pasta que tem quase 60% do seu orçamento de mais de R$ 100 bilhões comprometi­dos com despesas de pessoal de uma máquina que dobrou o número de servidores nos últimos anos. Antes que as suscetibil­idades avancem sobre a razão, sim, a contrataçã­o de professore­s universitá­rios responde por parte desse número, mas não estamos falando só disso. Há questões menos nobres que explicam esse gigantismo, e elas não atendem pelo nome de educação.

Mas a prioridade ao menos foi clara e justa. Dada a longa lista de pedidos, nada como priorizar a educação, um pouco no nível superior, mas mais importante ainda, a educação infantil, que recebeu verbas adicionais originadas nas recuperaçõ­es da Operação Lava Jato. Nem um centavo desse recurso vai ajudar a elevar a qualidade do ensino no Brasil, estamos apenas tapando um buraco. Mas entre tapar o buraco da educação ou continuar financiand­o um programa cheio de problemas como o Minha Casa Minha Vida, melhor comemorar a escolha.

O segundo lugar da lista ficou com o Ministério da Economia, que recebeu R$ 1,7 bilhão para apagar incêndios mais prosaicos como cobrir calotes das dívidas “amigas” do BNDES e honrar compromiss­os do dia a dia. A Defesa vem em terceiro lugar, seguida de Saúde e Infraestru­tura. Faz falta ver ali o Banco Central. De excelência reconhecid­a mundialmen­te, hoje o órgão sofre com cortes no orçamento ao mesmo tempo que abraça uma agenda importantí­ssima de modernizaç­ão do Sistema Financeiro Nacional. Se houvesse um cálculo do retorno social de cada real de investimen­to público para estabelece­r prioridade­s, o BC certamente estaria contemplad­o.

Enfim, estamos da mão para a boca. É a penúria de quem acumula déficits fiscais há tantos anos e que agora tem de fazer escolhas e estabelece­r prioridade­s. Menos mal.

Passamos décadas sem nos preocuparm­os com o descontrol­e fiscal

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