O Estado de S. Paulo

O trabalho oculto das mães nas viagens

- MÔNICA NOBREGA Envie sua pergunta para viagem.estado@estadao.com

Tirar férias em família é uma delícia, mas o período pré-férias em família é (mais) uma sobrecarga de tarefas na vida de uma mãe. Eu posso – qualquer mãe pode – falar por experiênci­a. Pesquisas também falam. A depender da fonte, mulheres são responsáve­is por 50% a mais de 70% das decisões turísticas em casa.

Parece bonito, emancipado­r, girl power, o que até é verdade. Mas também é sobrecarga mental, trabalho feminino oculto. Um tema sobre o qual mulheres mães vêm discutindo há algum tempo – e se aplica às viagens.

Claro que é gostoso decidir para onde viajar. Mas ter de achar sozinha um destino que concilie as necessidad­es da família toda, levantar os custos, as alternativ­as para chegar lá, quais passeios fazer, tudo isso é exaustivo. O pai? Ah, você que sabe, amor, você entende dessas coisas. A gente vai se divertir no lugar que você escolher.

O paizão se oferece para levar o filho à Polícia Federal para tirar o passaporte. Quer poupar a mãe da fila, fila que não existe mais há anos – ele até hoje não sabe que o passaporte é agendado. O dele mesmo, no ano passado, quem agendou foi a mulher; ele no máximo achou a reservista numa caixa empoeirada e compareceu ao local e no horário indicados. Então é claro que foi a mãe quem lembrou de agendar no site e separou todos os documentos para o passaporte da criança. Ou não. Também pode ser que o pai, viajante experiente, tenha cuidado de todas as etapas da renovação de seu próprio documento. É claro que ele faria isso pelo filho, bastava a mãe ter pedido, oras.

Eu nunca soube de um pai que arruma mala dos filhos se a mãe está em casa. Alguns fazem isso quando ela não está. Só então percebem que a gaveta de meias é um amontado de pés avulsos que nunca mais encontrara­m seus pares – e o voo é amanhã bem cedo, não dá mais tempo de comprar meias novas. Que a sunga do verão passado ficou pequena para o corpinho que cresce vários centímetro­s por ano, o pai só vai notar na hora do primeiro tchibum do filho na piscina do hotel. Temos malas para todo mundo? Todas fecham? As rodinhas estão inteiras? Limpas? Sim, foi a mãe que conferiu tudo isso antes.

No orçamento da viagem que não ajuda a montar, o pai opina. Bastante. Quer coisa de homem mais coisa de homem que dinheiro? Inclusive o dinheiro da mãe, o que ela ganha com seu próprio trabalho (o remunerado, não o oculto), é assunto que ele toma como dele. A mãe pesquisa, acha hotel amigável para crianças, acha voos um pouco mais em conta, ingressos para comprar antecipada­mente pela internet e anuncia: Paris.

Ah, amor, Paris não. Paris é caro, viu como o euro está nas alturas? Por que não Buenos Aires, não dizem que Buenos Aires é a Europa da América Latina? Tem coisa para criança lá? (Tem sim: bit.ly/bsascrianc­a.)

O pai não sabe ou não lembra que precisa comprar seguro para todo mundo, mas principalm­ente para os filhos. Criança é danada para ter piriri longe de casa, pode precisar de hospital. A mãe, em meio a tantos preparativ­os, também esqueceu. Lembra assim que entram no saguão do aeroporto, no dia do embarque, e dão de cara com o quiosque dos seguros.

Claro que comprar no aeroporto de última hora é mais caro. O pai se assusta com o preço a pagar pelo seguro de uma semana, com cobertura de saúde de US$ 30 mil, a mínima aceita na Europa. A família vai pagar, não tem jeito. Resignado, o pai comenta: na próxima, a gente precisa lembrar disso com antecedênc­ia, amor…

Mas o que é isso? Se você ainda não entendeu o que é o trabalho oculto das mulheres, vale dar uma espiada na história em quadrinhos Era só pedir que uma autora francesa, Emma, publicou em 2017. O material foi traduzido para o português por uma página brasileira no Facebook, a Bandeira Negra. Leia: bit.ly/era-so-pedir.

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