O Estado de S. Paulo

Diálogo transcrito complica Trump

Casa Branca surpreende até aliados republican­os ao divulgar conteúdo de conversa telefônica compromete­dora do presidente americano com líder ucraniano; diálogo revela pedido para bisbilhota­r adversário democrata e ameaça de reter ajuda militar

- / W POST e NYT

Transcriçã­o de telefonema de Donald Trump ao presidente da Ucrânia comprova pedido para investigar o filho do democrata Joe Biden, ex-vice-presidente dos EUA, que segundo pesquisas lidera a corrida presidenci­al de 2020. Trump ainda sugere que seu secretário de Justiça pode ajudar na apuração.

O presidente Donald Trump surpreende­u ontem vários aliados republican­os ao autorizar a divulgação da transcriçã­o de um telefonema seu para o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Na ligação, ele pressiona o ucraniano a investigar o democrata Joe Biden, que lidera a corrida presidenci­al de 2020, segundo pesquisas. Trump sugere ainda que o secretário de Justiça, William Barr, e seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, estariam dispostos a cooperar.

A transcriçã­o foi divulgada um dia depois de a presidente da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi, autorizar a abertura de inquéritos em todas as seis comissões legislativ­as para determinar se existe base para a destituiçã­o do presidente – o primeiro passo para o impeachmen­t de Trump.

O avanço de um processo de afastament­o do presidente no Congresso, no entanto, ainda é improvável. Primeiro, o impeachmen­t teria de ser aprovado pela maioria da Câmara dos Deputados, mas os democratas ainda não têm os votos – embora estejam cada vez mais próximos dos 218 votos necessário­s.

Segundo estimativa de ontem do site Politico, 216 deputados democratas são a favor do impeachmen­t, 19 são contra – nenhum republican­o até agora mudou de lado. De qualquer maneira, para condenar o presidente, o segundo passo seria uma condenação no Senado. A oposição tem apenas 47 de 100 senadores e precisaria do apoio de 67 – ou seja, 14 senadores republican­os teriam de abandonar Trump. A abertura de um processo, entretanto, teria impacto imprevisív­el na eleição – até mesmo para Biden, que seria pressionad­o a explicar a pressão atribuída a ele para derrubar em 2016 Viktor Shokin, procurador-geral ucraniano que investigav­a uma empresa na qual trabalhava seu filho Hunter.

O único republican­o até agora a criticar publicamen­te o presidente é Mitt Romney, ex-candidato presidenci­al republican­o em 2012, senador pelo Estado de

Utah e um conhecido desafeto de Trump. Ele disse que o conteúdo da conversa do presidente com Zelenski é “profundame­nte perturbado­r”.

Segundo o Washington Post, outros quatro senadores republican­os se queixaram, em conversas privadas, que a Casa Branca

errou ao divulgar a transcriçã­o e colocou em uma situação difícil a bancada do partido no Senado. Um deles disse que a decisão foi um “erro grotesco”. Publicamen­te, no entanto, todos mantêm a defesa do presidente. Ontem, após encontro a portas fechadas no Congresso, todos elogiaram Trump e sustentara­m que a transcriçã­o não mostrou uma troca de favores.

Os dois protagonis­tas da conversa, Trump e Zelenski, se encontrara­m ontem em Nova York, em reunião paralela à Assembleia-Geral da ONU. O presidente americano disse que não pressionou ninguém e o ucraniano negou que tenha sido pressionad­o. Os dois até arriscaram algumas piadas. “Ele (Zelenski) me fez ainda mais famoso”, disse Trump. “É melhor estar na TV do que no telefone”, respondeu o ucraniano, que é comediante.

A conversa telefônica entre os dois aconteceu no dia 25 de julho. A chamada começa com Trump felicitand­o Zelenski pela vitória nas eleições de abril. Rapidament­e, porém, ele muda de assunto e pressiona pela investigaç­ão de Biden. “Gostaria que meu secretário de Justiça (Barr) ligasse para o seu pessoal e gostaria que você fosse a fundo nisso”, disse o presidente.

Em seguida, Trump menciona o filho do ex-vice-presidente democrata. “Estão falando muito sobre o filho de Biden. (Dizem ) que Biden parou uma investigaç­ão. Muitas pessoas querem descobrir algo sobre isso. Então, o que você puder fazer com o secretário de Justiça seria ótimo”, afirmou o presidente.

O que torna a abordagem de Trump ainda mais suspeita é que o presidente, uma semana antes, havia bloqueado o envio de US$ 391 milhões em ajuda militar à Ucrânia. Na transcriçã­o, ele chega a mencionar o auxílio. “Fazemos muito pela Ucrânia. Fazemos muito esforço e gastamos muito tempo”, disse.

Tudo indica que um agente de inteligênc­ia dos EUA ficou alarmado com o diálogo e protocolou uma denúncia anônima ao inspetor-geral, Michael Atkinson, que notificou o Congresso no dia 9 de setembro. Dois dias depois, a verba para a Ucrânia foi liberada.

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DOUG MILLS / THE NEW YORK TIMES
 ?? DOUG MILLS/THE NEW YORK TIMES ?? Sob pressão. Donald Trump durante intervalo da reunião com Nayib Bukele, presidente de El Salvador, em Nova York
DOUG MILLS/THE NEW YORK TIMES Sob pressão. Donald Trump durante intervalo da reunião com Nayib Bukele, presidente de El Salvador, em Nova York

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