O Estado de S. Paulo

Aras é confirmado na PGR e prega correções na Lava Jato

Novo procurador-geral disse em sabatina ter visto ‘excessos’ na operação e defendeu cooperação com o antigo Coaf

- Renato Onofre Daniel Weterman Breno Pires / BRASÍLIA

Decreto presidenci­al publicado no Diário Oficial da União confirmou a nomeação de Augusto Aras para o comando da Procurador­ia-Geral da República. O nome de Aras foi aprovado pelo Senado por 68 votos a 10 e uma abstenção. Na sabatina dos senadores, Aras disse ter visto “excessos” nas investigaç­ões da Lava Jato e pregou “correções”. Ele também afirmou que talvez tenha faltado “cabeça branca” na operação, elogiou a lei de abuso de autoridade e se disse favorável ao compartilh­amento de informaçõe­s entre a Unidade de Inteligênc­ia Financeira (UIF, o antigo Coaf) e o Ministério Público. A defesa do trabalho conjunto do MPF com a UIF surpreende­u parlamenta­res governista­s. Sobre a atuação do procurador Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Aras disse: “Nós poderíamos fazer tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta”. O mandato do novo procurador-geral, que substitui Raquel Dodge, vai até setembro de 2021.

O Senado aprovou ontem, por 68 votos a favor, 10 contra e uma abstenção, o nome de Augusto Aras para o comando da Procurador­ia-Geral da República. Indicado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, Aras passou pelo crivo dos senadores após sabatina na Comissão de Constituiç­ão e Justiça, que durou cinco horas e meia e transcorre­u sem sobressalt­os. Em um ambiente de pouco enfrentame­nto, ele pregou “correções” na Lava Jato, disse que, talvez, tenha faltado “cabeça branca” na operação, elogiou a Lei de Abuso de Autoridade e afirmou ser a favor do compartilh­amento de informaçõe­s entre o Ministério Público e o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf), rebatizado de Unidade de Inteligênc­ia Financeira.

Após ter recebido sinal verde do Senado, Aras se encontrou com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. O decreto presidenci­al com a nomeação foi publicado ontem mesmo, em edição extra do Diário Oficial da União. A cerimônia de posse do novo procurador-geral da República – que substitui Raquel Dodge – será realizada hoje, às 10 horas, no Palácio do Planalto. O mandato de Aras vai até setembro de 2021.

O tema Lava Jato foi recorrente na sabatina. Aras apoiou a operação, mas fez críticas a “excessos” nas investigaç­ões. “Talvez tenha faltado, nessa Lava Jato, a cabeça branca para dizer que tem certas coisas que pode, mas tem muitas outras coisas que nós não podemos”, afirmou ele, ao citar o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa em Curitiba. “Nós poderíamos fazer tudo como ele (Dallagnol) fez, mas com menos holofote, com menos ribalta.”

A defesa do antigo Coaf surpreende­u senadores governista­s. Em julho, após pedido de advogados do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, suspendeu todas as investigaç­ões que contivesse­m troca de informaçõe­s sem aval da Justiça. Flávio estava na sabatina, mas não se manifestou. O senador virou alvo da Justiça após relatório do Coaf identifica­r movimentaç­ões suspeitas na conta dele e do seu exassessor Fabrício Queiroz.

“Nós temos o dever de denunciar,

de comunicar os ilícitos porventura existentes. Os auditores fiscais por isso estariam no dever de comunicar as eventuais irregulari­dades”, disse Aras. Procurado pelo Estado, Flávio não comentou. “Quebra meu galho, quebra?”, desconvers­ou.

‘Corporativ­ismo’. Natural de Salvador, professor universitá­rio e subprocura­dor-geral, Aras foi indicado por Bolsonaro sem ter o nome na lista tríplice da Associação Nacional dos Procurador­es da República. Desde então, percorreu 78 dos 81 gabinetes em busca de apoio, com ataques ao que considera “corporativ­ismo” do Ministério Público.

As críticas à Lava Jato agradaram à oposição e à parte da base do governo. Enquanto fazia ponderaçõe­s sobre Dallagnol, os senadores Eduardo Braga (MDBAM), Renan Calheiros (MDBAL) e Cid Gomes (PSB-CE) acenavam em sinal de concordânc­ia.

A citação a Dallagnol, porém, causou desconfort­o na bancada “lavajatist­a”, que defende o ministro da Justiça, Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato. “Citando Rui Barbosa, não se deve deixar enganar pelos cabelos brancos, porque os canalhas também envelhecem”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Aras afirmou que terá independên­cia em relação a Bolsonaro. “Não há alinhament­o no sentido de submissão a nenhum dos Poderes, mas de respeito.” Questionad­o se considera golpe a chegada dos militares ao poder, em 1964, esquivou-se. Disse que não seria adequado discutir se houve “golpe” ou “revolução”, contrarian­do o presidente, que elogia o período da ditadura militar. Para Aras, em 1968 houve “cerceament­o de liberdades”.

Ao falar de temas como aborto e descrimina­lização da maconha, porém, afirmou que tais assuntos devem ser tratados pelo Congresso “e não ser objeto de ativismo judicial”.

O único momento em que o clima esquentou foi quando o senador Fabiano Contarato (RedeES), que é homossexua­l, confrontou Aras sobre o apoio dado por ele a uma carta de juristas evangélico­s, que pregava a chamada “cura gay”. “O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília?”, indagou Contarato. “Eu sou doente, senhor procurador?”

Aras alegou ter assinado a carta sem ler. “Não quero jamais dizer a Vossa Excelência que não tenha família. Eu sou um cidadão deste tempo, que é o tempo de Vossa Excelência. Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetiv­o”, respondeu.

 ?? DIDA SAMPAIO / ESTADÃO ?? Comissão. Augusto Aras (sentado) cumpriment­a Flávio Bolsonaro em sessão no Senado
DIDA SAMPAIO / ESTADÃO Comissão. Augusto Aras (sentado) cumpriment­a Flávio Bolsonaro em sessão no Senado

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil