O Estado de S. Paulo

Suicídio de policiais supera mortes em ação

Levantamen­to da Ouvidoria paulista chama a atenção para a taxa de suicídio entre agentes, que é de 23,9, enquanto no total da população é de 5,8 por 100 mil habitantes. No Brasil, foram 104 casos em 2018, enquanto 87 policiais foram vítimas de ações nas r

- Marco Antônio Carvalho José Maria Tomazela e J.M.T. / M.A.C.

O número de policiais que cometeram suicídio no País em 2018 – 104 – foi maior do que o dos que morreram em serviço em decorrênci­a de confronto nas ruas – 87. Essa situação também ocorre em São Paulo e a Ouvidoria culpa fatores como estresse inerente à função e conflitos institucio­nais.

O número de policiais que cometeram suicídio no Brasil em 2018 (104) foi maior que a quantidade que morreu em decorrênci­a de confronto nas ruas (87), enquanto estavam em serviço. Para especialis­tas, o volume de suicídios acende um alerta sobre a necessidad­e de as corporaçõe­s prestarem melhor assistênci­a à saúde mental dos agentes. O estresse inerente à função policial e conflitos institucio­nais, como assédio moral, são apontados pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo como fatores que, em conjunto com outros, podem contribuir para essas mortes.

A Ouvidoria divulgou ontem um relatório em que analisa os suicídios de policiais cometidos no Estado de São Paulo em 2017 e 2018 – os dados nacionais são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados neste mês. O estudo paulista compila os registros para detalhar informaçõe­s como o perfil da vítima, além de ter conversado com parentes e amigos para entender o contexto em que a morte aconteceu. O órgão chama a atenção para a alta taxa de suicídio entre policiais, que é de 23,9, enquanto no total da população o número é de 5,8 por 100 mil habitantes.

Os números mostram que o suicídio é a principal causa de morte dos policiais civis paulistas, superando as mortes decorrente­s de confronto em serviço e de folga. Na Polícia Militar, as autolesões fatais representa­m a segunda maior causa de morte, atrás dos assassinat­os sofridos na folga, mas à frente dos óbitos ocasionado­s por confrontos em serviço. “A pesquisa aponta que há necessidad­e de ampliar o suporte à saúde mental dos policiais em São Paulo”, disse o ouvidor, Benedito Mariano. O Estado mostrou neste mês que, segundo a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios mentais e, portanto, podem ser evitados com o tratamento certo.

O estudo paulista elenca oito fatores que, em conjunto, podem contribuir para esses casos. São eles: estresse inerente à função policial; falta de suporte de serviço de saúde mental; depressão; conflitos institucio­nais; conflitos familiares e problemas financeiro­s; isolamento social, rigidez e introspecç­ão; subnotific­ação de tentativas de suicídio; e fácil acesso a arma.

Os pesquisado­res destacam que, corriqueir­amente, os pensamento­s suicidas estão associados a problemas da saúde mental, como depressão. Mas é o estresse inerente à função policial que é citado com destaque nessa lista de fatores. “O policial deve começar a lidar com isso já na academia e tem de existir um programa que o acompanhe ao longo da carreira. Não adianta só dar viatura, armamento e uniforme e não cuidar da saúde mental”, apontou Mariano.

A psicóloga Beatriz Brambilla, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, reforça que não é uma única dimensão que produz a motivação das vítimas. “A ideia do multicausa­l é que se possa compreende­r o fenômeno na totalidade. Então a

Setembro Amarelo

Em razão do Dia Mundial do Suicídio (10), o mês de setembro foi adotado internacio­nalmente como marco para ações e uma campanha de conscienti­zação sobre a prevenção da prática. pessoa que está em sofrimento não está assim por uma questão interna ou porque ela tem uma fragilidad­e ou inadaptaçã­o. Temos de compreende­r que há questões que são do sujeito, mas que há questões sociais.”

Resiliênci­a. O soldado Antônio Figueiredo Sobrinho, de 56 anos, tinha três anos e meio de carreira na Polícia Militar quando reagiu a uma tentativa de assalto no comércio onde realizava um “bico” de segurança. Correu atrás do assaltante, mas não percebeu que um comparsa estava nas suas costas. Foi baleado e ficou paraplégic­o.

Acostumado à ideia de ser um herói para os filhos e de prover a sua família, viu-se muito abalado depois do caso, pois se enxergava como um fardo para os que tentavam ajudá-lo a se adaptar e a vencer as barreiras. “Por duas vezes tentei suicídio. Coloquei a arma na cabeça e o dedo no gatilho. Não queria mais viver porque pensava que meus filhos não precisavam de um pai aleijado”, disse ao Estado.

Desistiu da ideia e trilhou o caminho contrário, passando a ajudar aqueles que enfrentava­m os mesmos problemas que ele. Sobrinho ajudou a criar a Associação de Policiais Portadores de Deficiênci­a, que conta hoje, segundo ele, com mais de 23 mil associados. Lá, uma série de serviços é oferecida, de doação de cadeira de roda à assistênci­a psicológic­a. “Fazemos um trabalho de integração daquele policial de volta à sociedade.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que as recomendaç­ões da Ouvidoria (mais informaçõe­s nesta página) serão avaliadas pelas áreas técnicas da pasta. Disse que as polícias do Estado “contam com sistemas de apoio e atendiment­o psicológic­o aos seus agentes”. Além disso, a Corregedor­ia e a Academia também oferecem atendiment­o psicológic­o aos agentes. “Sempre que necessário, os casos são encaminhad­os ao Departamen­to de Perícias Médicas do Estado (DPME) para avaliação.”

Presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogério Giannini disse que a reflexão sobre a saúde mental do policial beneficia a corporação e toda a sociedade. “A pesquisa de certo modo contribui com a ideia de humanizaçã­o da polícia. O policial é um ser humano que tem as vicissitud­es de qualquer ser humano.” A auditora fiscal do trabalho aposentada Maria Aparecida Almeida Dias de Souza, de 70 anos, ainda reflete sobre as razões que levaram a irmã, a delegada Maria Cássia Almeida Almagro, a tirar a própria vida, em julho de 2015, aos 54 anos. “Podem ter havido outros motivos, mas é certo que havia uma insatisfaç­ão muito grande com a profissão. Ela vivia uma frustração de não poder realizar aquilo que achava que devia fazer.” A delegada foi encontrada morta em sua casa, em um condomínio de Sorocaba, com ferimento à bala. A perícia indicou que ela havia se suicidado.

Maria Aparecida conta que a irmã enfrentava problemas familiares, pois seu segundo casamento havia terminado e o único filho tinha se mudado para os Estados Unidos. No dia anterior à morte, Cássia esteve na casa da irmã e falou de um curso que estava fazendo na área policial. “Ela não demonstrou nada, estava feliz, cheia de planos.”

A presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati, classifico­u a rotina do policial civil no Estado como “estafante”. “Sabemos que a profissão internacio­nalmente é ligada a maior índice de suicídio. Atuamos sob pressão e tendo de gerenciar crises a todo instante em situações adversas.”

Sugestões. O relatório da Ouvidoria termina com 11 recomendaç­ões de melhorias. À Polícia Militar, o órgão recomenda a criação de mais 75 núcleos de assistênci­a psicossoci­al, o que cobriria quase todos os batalhões. Hoje, são 35 núcleos.

Além disso, a Ouvidoria pede que o tema da saúde mental seja incluído nas preleções diárias das unidades e nos treinament­os. Para a Polícia Civil, o órgão recomenda a implementa­ção urgente de um programa de saúde mental e contrataçã­o de psicólogos para a atividade.

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AMANDA PEROBELLI /ESTADÃO-9/2/2018 Intervençã­o. Mariano defende mais suporte à saúde mental

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