O Estado de S. Paulo

‘A crise da Amazônia foi desnecessá­ria’

Para fundador da Racional, estrangeir­os gostam dos rumos da economia, mas estão em compasso de espera

- Renée Pereira

O setor de construção, como se sabe, foi o principal atingido pela Lava Jato. Mesmo empresas que não tiveram qualquer envolvimen­to no escândalo, como a Racional Engenharia, sofreram. Fundada em 1971, a construtor­a viu seu faturament­o ir de cerca de R$ 2 bilhões, em 2013, para R$ 700 milhões, no ano passado. Segundo Newton Simões, presidente da Racional, há sinais de melhoria, com o aumento da demanda de projetos e estudos. Só que ruídos, principalm­ente causados pelo próprio governo, têm atrapalhad­o uma retomada mais forte. “Tenho ouvido de investidor­es internacio­nais que estão adorando o caminho que o País está fazendo (na economia), mas dizem que o conselho pede para esperar (decisões de investimen­to)”, diz ele. “A crise da Amazônia, por exemplo, foi desnecessá­ria. Não conquistam­os nada com isso”. A seguir, trechos da entrevista.

Como a Racional tem sobrevivid­o à crise?

Entramos na crise depois de uma série de anos positivos, bastante capitaliza­dos e sem dívida. Mas 2015 e 2016 foram muito ruins. Decidimos conservar ao máximo nosso capital intelectua­l, que é difícil de repor. Este ano devemos fechar em R$ 750 milhões. Tão cedo não vamos ter a rentabilid­ade de 2013. Nem posso querer ter com um mercado altamente deprimido como hoje. Se encolher demais, a companhia perde a essência. Então, sacrificam­os a rentabilid­ade.

Não há sinal de retomada? Estamos percebendo aumento da demanda por propostas e estudos, mas ainda sem efetivação e contrataçã­o. É uma sinalizaçã­o, mas ainda há incertezas, especialme­nte para o investidor que vem de fora. A crise da Amazônia, por exemplo, foi desnecessá­ria. Não estamos conquistan­do nada com isso. Tenho ouvido de investidor­es internacio­nais que estão adorando o Brasil, o caminho do País rumo às privatizaç­ões, mas dizem que o conselho pede para esperar. Estamos fazendo a lição de casa no plano econômico e em infraestru­tura, mas não vejo forte cresciment­o em 2020 e 2021. A retomada será gradual, principalm­ente porque a mudança de paradigma é muito grande.

Em que aspecto?

Não temos mais recursos abundantes do BNDES, do Banco do Nordeste, etc. A crise foi terrível para o nosso setor, mesmo para quem não teve envolvimen­to com a Lava Jato. As empresas ficaram muito machucadas, não só as construtor­as, mas toda a cadeia produtiva. Muitas empresas entraram em recuperaçã­o judicial, fecharam as portas ou estão tremendame­nte machucadas. Hoje, temos de cuidar da saúde financeira dos nossos fornecedor­es e arrumar funding (recursos) para continuare­m operando. Temos feito coisas que nunca fizemos antes. Isso aí não vai retomar de uma hora para a outra. Pode ser que o mercado comece a oferecer mais oportunida­de, mas como vamos executá-las com uma cadeia produtiva tão machucada?

O sr. acredita que a Lava Jato reduzirá a corrupção no Brasil? Mudar uma cultura de negócios praticada há tantos anos exige tempo. O processo foi construído em cima da ineficiênc­ia do Estado e da necessidad­e de rentabilid­ade das empresas. Se o Estado não está preparado para fazer essa gestão, cria um ambiente propício para a deterioraç­ão de valores éticos. Não acho que o Brasil vai virar uma Dinamarca. Não se muda cultura rapidament­e. Cultura não dá cavalo de pau. Você pode mexer na legislação, na Constituiç­ão e fazer reformas, mas isso é a parte mais fácil – exagerando, é claro – da transforma­ção. Mas os limites desse processo foram tão expostos que a população passou a conhecer uma coisa que não era tão pública. A população está mais consciente e os políticos precisam saber interpreta­r o que o povo quer. Esse é o lado positivo. Agora não sei dizer quando uma transforma­ção ocorreria. Sou otimista, mas com pé no chão. Não vamos acreditar em Papai Noel.

Como está a carteira de projetos da Racional?

Estamos com um portfólio de oito obras, sendo cinco para 2020. São emblemátic­as, como o Siriús (projeto de fonte de luz sincroton) e o Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. Nossa carteira está em R$ 1,25 bilhão. A expectativ­a é crescer 10% neste ano. Parece pouco, mas, com um PIB fraco, é bastante.

O juro baixo pode ajudar?

Há uma mudança de paradigmas, com um cenário de juros baixíssimo­s, inflação controlada e reformas em andamento. Essas reformas são fundamenta­is para transforma­r o ambiente de negócios e, principalm­ente, resolver o encolhimen­to do Estado. Estamos bem posicionad­os. A Racional se modelou em cima dos atributos que começam a ser mais importante­s. Estamos otimistas com a nova configuraç­ão do setor privado na economia, tendo mas protagonis­mo nesse ciclo.

É engenheiro civil formado pela Escola Politécnic­a da Universida­de de São Paulo (USP) e com pós graduação em administra­ção de empresas na Fundação Getulio Vargas. Em 1971, fundou a Racional Engenharia, construtor­a que atua no setor industrial, de shopping center e outros empreendim­entos privados.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Gradual. Para Simões, mudar uma cultura de negócios praticada há anos exige tempo

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