O Estado de S. Paulo

ESTRESSE GLOBALIZAD­O

- /MARCELA PAES

Para Jeffrey Pfeffer, professor da pós-graduação em negócios da Universida­de de Stanford, as pessoas atualmente estão literalmen­te “se matando por um salário”. Autor de 15 livros sobre a questão, o americano conversou com a coluna sobre os problemas trazidos pelo excesso de trabalho, sobre formas de lidar com o problema e as responsabi­lidades trabalhist­as nos novos modelos de negócio, como Uber, Airbnb e outros aplicativo­s.

No seu último livro, Morrendo por um Salário, o sr. diz que 61% dos americanos tiveram problemas de saúde relacionad­os a estresse no trabalho. Em países subdesenvo­lvidos esse número é maior?

As evidências sugerem que estresse no trabalho é um problema mundial. Por excesso de trabalho, pessoas estão morrendo às milhares na China. Doenças crônicas, problemas de saúde mental e depressão são problemas que estão praticamen­te em todos os lugares, porque nós criamos ambientes de trabalho insalubres.

É um problema mundial, mesmo com as diferenças culturais? Nós acreditamo­s, incorretam­ente, que as pessoas são, de alguma maneira, dispensáve­is e que elas sabem cuidar de si mesmas. Construímo­s um mundo em que ninguém se importa com o ser humano. Uma amiga professora me disse que a gente se importa mais com ursos polares do que com seres humanos. Enfim, nós pensamos que ursos polares ou cachorros são criaturas que precisam ser cuidadas, mas os seres não, porque humanos sabem cuidar de si mesmos.

Como o senhor enxerga as novas relações terceiriza­das de trabalho, como no caso de aplicativo­s de serviços?

Nós construímo­s uma economia ao redor do mundo que tem uma premissa irresponsá­vel. O Uber, por exemplo, não é responsáve­l pelo trabalhado­r nem pelo cliente. Ele apenas liga você ao motorista. O Airbnb simplesmen­te conecta você ao seu anfitrião. O e-Bay apenas conecta compradore­s e vendedores. Nesse mundo que criamos, nós premiamos organizaçõ­es que criaram uma plataforma e não assumem a responsabi­lidade pelo que fazem. Há 40, 50 anos atrás, nos EUA, as empresas se sentiam responsáve­is pela comunidade, pelos trabalhado­res e pelos clientes.

As pessoas utilizam o aplicativo de transporte porque é mais barato que pegar um táxi.

Não sei como é no Brasil, mas nos EUA não é barato. Porque os motoristas de Uber que não conseguem se sustentar usam o hospital público. O Estado é que está cuidando deles.

Acha que é papel do governo regular essas relações?

Sim. Existem leis e regulament­ações de trabalho em todos os setores, mas essas empresas estão operando livremente. Você pode não ver o custo claramente, mas vá a São Francisco e você verá. Pessoas vivendo na rua e que não podem cuidar de si mesmas.

Muitas pessoas se orgulham de trabalhar muitas horas. Como mudar essa mentalidad­e?

Você precisa mostrar os danos. Quanto maior a quantidade de horas trabalhada­s, maior a sua pressão arterial. No final das contas, as pessoas estão literalmen­te morrendo por um salário. Elas têm que aprender a dizer não.

Como acha que está a situação nos Estados Unidos no momento?

Nada boa. De modo geral, as horas de trabalho aumentaram e os benefícios de trabalho, incluindo pensões e seguro saúde, diminuíram. Há mais espaço para instabilid­ade financeira e demissões. Para uns está tudo bem e para outros, não está.

Como seria possível melhorar essa relação?

Um caminho seria conversar com as pessoas para quem se trabalha, mostrar o custo dessas mudanças. Quando doentes e estressada­s, as pessoas desistem e isso acaba ficando caro. Elas se tornam improdutiv­as, cometem mais erros.

Acha que em dez anos estaremos melhor? Espero que estejamos trabalhand­o menos. Nos EUA vemos 400 médicos se suicidando por ano, o estresse das pessoas na faculdade... Não é sustentáve­l. Dá pra imaginar que o custo com a saúde vai continuar aumentando.

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IARA MORSELLI/ESTADÃO

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