O Estado de S. Paulo

Cará-roxo da Amazônia

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Na feira do Ver o Peso, em Belém (PA), os carás roxos geralmente aparecem abertos para exibir aos turistas a coloração atrativa. Caso contrário, se passariam por carás brancos, os mais comuns. Já no Mercado Municipal de Porto Velho (RO) são expostos nas bancas sem alarde, afinal quando é tempo os compradore­s fiéis já estão à espera. Não reclamei por pagar na volta o excesso de peso da bagagem recheada de tucumã, farinha, queijo, mel, abiu etc. Só me arrependi de não ter trazido mais cará roxo. Como não havia nenhum aberto para eu ver a cor, confiei no vendedor. Os olhos brilharam quando abri o primeiro, roxo quase preto. Mesmo a água de cozimento ganha cor intensa – é impensável desprezar.

A espécie nativa, Dioscorea trifida, à qual pertence a planta trepadeira que gera tubérculos amiláceos e viscosos quando crus, abriga muitas variedades ainda cultivadas pelos agricultor­es na Amazônia e que recebem nomes como rabo-demucura, roxão, pata-de-onça, macaxeira, durão, miguel, creme, alemão etc. O cará roxo foi domesticad­o por povos indígenas da região amazônica, entre Brasil e Guianas, e faz parte da Arca do Gosto, catálogo do Slow Food que visa identifica­r, mapear e registrar alimentos em risco. Seu consumo hoje se dá principalm­ente ao redor das comunidade­s produtoras formadas por agricultor­es familiares, mas também aparecem nos mercados locais e está nos cafés regionais, cozido com sal.

Como aconteceu com muitas espécies nativas, a erosão genética, decorrente da imposição do cultivo de espécies convencion­ais, causou uma perda grande de biodiversi­dade. E apesar da coloração belíssima ele é pouco conhecido fora da região amazônica. Dentre os usos tradiciona­is na Amazônia está o cozido com peixe seco.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o cará roxo Dioscorea alata das Filipinas, primo do nosso, é chamado de ube e faz sucesso em doces, sucos cremosos, bolos, sonhos, tortas de queijo, sorvetes, cupcakes, donuts, coberturas de bolo, macarrão, panquecas e uma infinidade de pratos nos quais a aparência é quem dá o tom – e que tom! Em Portugal o mesmo cará é chamado de inhame-da-índia e tratado como ingredient­e do desejo. Entre filipinos, o preparo mais famoso é chamado de ube halaya, doce em pasta.

Cará-roxo tem sabor adocicado e textura mais fina, como a de uma batata com menos amido. De resto, apresenta a mesma viscosidad­e típica dos carás. Há estudos avaliando o potencial do amido deste tipo de cará para uso similar ao da maisena na cozinha, assim como seu aproveitam­ento na forma de farinha

na panificaçã­o. Por isto e porque faço pão toda semana, não tive como deixar de pensar em tingir e nutrir meu pão com o purê roxo. E como a antocianin­a ganha tons avermelhad­os intensos ao entrar em contato com meio ácido, a acidez da fermentaçã­o natural favoreceu a cor deixando o miolo do pão com este vermelho raro. Você pode encomendar com a Antônia, do Empório Poitara (11. 97310-5024; toni.ginger@gmail.com; emporiopoi­tara.com.br ) .

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FOTOS: NEIDE RIGO/ESTADÃO Roxo quase preto. O tubérculo e o pão feito com ele
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