O Estado de S. Paulo

Inquérito dos hackers

A invasão de telefones de autoridade­s é tratada como ‘espionagem’ por investigad­ores, Ministério Público e o juiz do caso

- Breno Pires Patrik Camporez / BRASÍLIA

Investigaç­ão sobre ação dos hackers presos aponta a prática de espionagem, prevista na Lei de Segurança Nacional.

A investigaç­ão sobre as invasões de aplicativo­s de comunicaçã­o de altas autoridade­s da República aponta a prática de crime contra a Lei de Segurança Nacional, na modalidade de espionagem. A citação ao “possível crime” consta de documentos do inquérito sigiloso a que o Estado teve acesso.

Em parecer, o procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira afirmou que os elementos da investigaç­ão colhidos pela Polícia Federal indicam “diversas condutas relacionad­as à invasão de aparelhos de comunicaçã­o privados de autoridade­s públicas colocando em risco a segurança nacional e o próprio conceito de estado democrátic­o de direito”.

Além da afirmação do procurador, o juiz responsáve­l pelo caso, Ricardo Leite, da 10.ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, citou na ordem de prisão temporária de Thiago Eliezer Martins e Luiz Molição “possível crime contra a Segurança Nacional”, mencionand­o expressame­nte o artigo 13, parágrafo único, I, da Lei nº 7170/83 – a Lei de Segurança Nacional.

O trecho prevê pena de 3 a 15 anos a quem “mantém serviço de espionagem ou dele participa”, com o objetivo de “comunicar, entregar ou permitir a comunicaçã­o ou a entrega – a governo ou grupo estrangeir­o ou a organizaçã­o ou grupo de existência ilegal – de dados, documentos

ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classifica­dos como sigilosos”.

A possibilid­ade de uma denúncia por infração à Lei de Segurança Nacional foi comentada nos bastidores desde a primeira fase da Operação Spoofing, deflagrada no fim de julho, mas ainda não havia sido registrada em documentos até a sua segunda etapa, ocorrida no dia 19 com as prisões de Luiz Molição e Thiago Martins.

O envolvimen­to dos dois, apontado por investigad­ores, desmontou o discurso de Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, de que teria agido sozinho. Além deles, há outros três presos, Gustavo Santos, Suellen Priscila e Danilo Marques. Investigad­ores buscam esclarecer se houve mais participan­tes e, principalm­ente, se houve pagamento para a obtenção e comunicaçã­o das mensagens de autoridade­s.

Moro. As apurações se iniciaram depois de o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ter detectado uma tentativa de invasão no seu celular. Isso foi antes de Walter Delgatti Neto repassar dados ao site The Intercept Brasil, que tem publicado desde junho uma série de reportagen­s com base em mensagens atribuídas a procurador­es da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato.

Os diálogos expuseram possíveis atos ilegais praticados por autoridade­s públicas e por Moro. Os citados não reconhecem a autenticid­ade das mensagens e citam ser vítimas de um crime.

Após a primeira fase da operação, Moro informou a algumas autoridade­s que elas foram alvo de tentativa de invasões do grupo hacker. Pelo forte impacto político causado pela descoberta do hackeament­o de altas autoridade­s, um possível enquadrame­nto pela Lei de Segurança Nacional foi citado por fontes que acompanham a investigaç­ão como um motivo para manter os investigad­os presos por mais tempo. A legislação impõe que, quando há investigad­os presos, a denúncia seja feita em até 30 dias – prazo já extrapolad­o.

Uma acusação com base nessa lei, segundo os investigad­ores, também serviria como discurso para os expostos pelas mensagens vazadas desacredit­arem o material fruto de crime.

 ?? MATEUS BONOMI/AGIF-30/7/2019 ?? Prisão. Um dos suspeitos de hackear autoridade­s, Gustavo Elias Santos foi detido em julho
MATEUS BONOMI/AGIF-30/7/2019 Prisão. Um dos suspeitos de hackear autoridade­s, Gustavo Elias Santos foi detido em julho

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