O Estado de S. Paulo

Fala pode custar caro ao MP e à Lava Jato.

- Fausto Macedo

Omundo forense, sempre confortáve­l em seus castelos, está assombrado – e não é com o risco iminente que cerca a Lava Jato. De juízes a promotores, de ministros a procurador­es, eles amanhecera­m ontem meio atarantado­s, por assim dizer, se perguntand­o: o que levou o poderoso chefe do Ministério Público Federal na etapa 2013/2017, hoje no ofício da advocacia, a fazer revelação pública de que planejava encher de bala de um revólver o ministro Gilmar Mendes?

Sim, Rodrigo Janot disse: “Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinat­o mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”.

Ele contou ter planejado a arapuca para Gilmar dentro da própria Corte e à luz do dia!

Era 2017, ele narrou, foi ao Supremo armado e só não executou a trama porque “a mão de Deus” o conteve. “Ele (Gilmar) estava sozinho, mas foi a mão de Deus. Foi a mão de Deus. Cheguei a entrar no Supremo. Ele estava na sala, na entrada da sala de sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma ‘mão’ mesmo.”

Em seu próprio meio, ninguém põe em dúvida que o episódio, de fato, se deu – Janot armado e disposto a dar cabo do homem da capa preta.

Mas, afinal, o que leva Janot a, mais de dois anos depois do suposto ímpeto que o acometeu de matar o desafeto, vir a público contar detalhes de ato brutal que não executou?

Uns lhe imputam “insanidade”, “desequilíb­rio emocional”, “loucura”. Concordam com Gilmar, que sugeriu a Janot “ajuda psiquiátri­ca”.

Mas há quem desconfie dos reais motivos que levaram o ex-mandatário do Ministério Público Federal a admitir sanha assassina, tanto tempo depois.

Supõem que Janot agiu premeditad­amente, arriscando uma “jogada de marketing” para chamar a atenção do País às vésperas do lançamento, em outubro, do seu Nada Menos que Tudo, um livro de memórias da passagem pela Procurador­ia-Geral – uma trajetória histórica, diga-se, em que acusou, implacavel­mente, como nunca antes neste país, deputados, senadores e até o então presidente Michel Temer, este por duas vezes, mas inutilment­e, vez que a Câmara trancou tudo (a propósito, Temer, em nota, disse que Janot é “mentiroso contumaz, desmemoria­do”).

O problema, ponderam antigos aliados de Janot, é o alto preço da estratégia – a se confirmar – adotada para alavancar sua obra.

Alertam que o episódio narrado por Janot pode lhe custar caro, e também à sua instituiçã­o e à Lava Jato, pelo alto teor de desmoraliz­ação a que se submete e à contaminaç­ão que atinge tudo o que produziu enquanto na cadeira número 1 do Ministério Público.

Isto posto, data vênia, o tiro pode sair pela culatra.

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