O Estado de S. Paulo

Um freio à farra

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Mais de dois terços dos juízes, segundo levantamen­to do Partido Novo reportado pelo Estado, ganham, com seus benefícios acumulados, acima do teto constituci­onal. Os profission­ais do serviço público ganham proporcion­almente muito mais do que seus pares na iniciativa privada, e a elite do funcionali­smo, a magistratu­ra, ganha muito mais do que os demais servidores. Em outras palavras, num país que está entre os dez mais desiguais do mundo, com mais de 24 milhões de desemprega­dos, subemprega­dos e desalentad­os, o maior promotor da desigualda­de social é o Estado. Esse patrimonia­lismo “selvagem” consagra a irresponsa­bilidade fiscal e desmoraliz­a o serviço público.

Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, das dez profissões mais bem remunerada­s do País, seis são da elite estatal. À época da pesquisa, em 2016, constatou-se que o rendimento médio dos titulares de cartório era de cerca de R$ 91 mil por mês; procurador­es e promotores, R$ 44 mil; Poder Judiciário e tribunal de contas, R$ 43 mil; diplomatas, R$ 28 mil. São as quatro profissões mais rentáveis do setor público. Na sexta posição estão advogados do setor público e procurador­es da Fazenda, e na oitava, auditores fiscais. Enquanto isso, o trabalhado­r do setor privado, que produz riqueza e paga a conta, tem uma renda média de cerca de R$ 2 mil.

Um estudo do Banco Mundial de 2017 mostrou que, entre 53 países, o Brasil apresenta a maior desproporç­ão de salários, da ordem de 67%, entre um funcionári­o público federal e um trabalhado­r da iniciativa privada com a mesma idade, formação e experiênci­a profission­al. O País também é o que mais gasta com o funcionali­smo (13,1% do seu PIB), enquanto países como França, Austrália, Portugal e EUA gastam aproximada­mente 9%. Ademais, esses recursos abastecem uma elite reduzida: nos países da OCDE, cerca de 10% da força de trabalho está empregada no setor público, ao passo que no Brasil são 5,6%. Destes, 83% estão no topo da pirâmide de renda. Sete em cada dez funcionári­os públicos estão no grupo dos 10% mais abastados do País.

Como se não bastassem os salários dadivosos, os regimes especiais de aposentado­ria (muitas vezes integral) e a estabilida­de de que gozam os funcionári­os públicos, ainda recebem benefícios (não tributados) como auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-funeral, auxílio-paletó, auxílio-livro e um intermináv­el et cetera. A magistratu­ra é campeã em acúmulo de privilégio­s, como as férias de dois meses. Chamar a estas benesses magnânimas e intocáveis de “pendurical­hos” – coisas por natureza ínfimas e descartáve­is – é uma metáfora para lá de inadequada.

E não há como saciar este apetite. Há poucos dias, o Conselho Nacional de Justiça aprovou o auxílio-saúde a todos os magistrado­s e servidores dos tribunais no valor de 10% do salário. A justificat­iva é que 90% dos juízes se dizem mais “estressado­s” do que no passado. E assim o contribuin­te é obrigado a gastar milhões com um “adicional de insalubrid­ade” para o ofício dos juízes. Outro exemplo: desde 2017, os auditores fiscais recebem um “bônus de eficiência” de R$ 3 mil. Um prêmio para todos – inclusive os inativos – nada mais é do que um aumento salarial não tributável. Mas essa agressão à inteligênc­ia e ao bolso do contribuin­te foi consagrada em lei pelo Congresso. Enquanto isso, falta o básico do básico – em saúde, educação, saneamento ou transporte – para as populações carentes.

Essa indecente distorção é, em muitos sentidos, mais corrosiva que a corrupção, posto que encabeçada e normatizad­a justamente pela corporação encarregad­a de zelar pelo império da justiça, a magistratu­ra. Chegou a hora de uma reforma administra­tiva radical. A atual legislatur­a já mostrou, com a reforma da Previdênci­a, que pode vencer as campanhas corporativ­istas de desinforma­ção e a inoperânci­a do governo em favor do interesse público. Se bem explicada, não há como a reforma do Estado ser “impopular”. Afinal, ela pode pôr fim à esbórnia salarial que explora 95% da população.

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