O Estado de S. Paulo

Conversa ao telefone na Casa Branca

Impeachmen­t marca uma mudança; democratas podem estar fazendo o certo, mas tiro ameaça sair pela culatra

- TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ /

Opessoal em Connecticu­t não está muito feliz com o que tem ouvido sobre o presidente Donald Trump. Jim Himes, deputado do quarto distrito do Estado desde 2008, disse que estava sentindo em seu eleitorado “um intenso sentimento de ultraje, quase uma suspeita de comportame­nto ilegal”. Ele passou a apoiar o impeachmen­t em parte por que foi encorajado por seus eleitores. Mas, até recentemen­te, achava que o projeto não passaria.

Longe dos subúrbios ricos de Connecticu­t, a ideia é bem menos popular. O chefe de campanha de Himes bateu à porta de centenas de democratas durante a eleição especial no nono distrito da Carolina do Norte. “Eles me mandaram baixar a bola do ódio a Trump”, disse. Dificilmen­te, algum dos 31 deputados democratas que representa­m distritos nos quais Trump saiu vitorioso na eleição de 2016 é favorável à ideia.

Nancy Pelosi, presidente da Câmara, compreende a preocupaçã­o deles. A maioria conquistad­a pelos democratas nas eleições de meio de mandato do ano passado lhes dá, em princípio, poder para pedir o impeachmen­t de Trump. Mas o presidente só poderá ser considerad­o culpado se 20 ou mais senadores republican­os apoiarem os democratas. Isso é improvável, e a insistênci­a nessa improbabil­idade pode facilmente dar errado.

Uma tentativa fracassada de desalojar Trump sob acusações que seriam tachadas de “fake news” poderia dar força aos que o apoiam e aumentar seu índice de aprovação. Quando a esquerda democrata falou em impeachmen­t, Pelosi desestimul­ou a ideia. Mas a posição do partido mudou quase da noite para o dia. “Acho que veremos alguns desses democratas indecisos mudar de ideia”, previu Himes na segunda-feira.

No dia seguinte, eles haviam mudado. Hoje, segundo o New York Times, apenas 15 deputados democratas ainda não embarcaram no impeachmen­t.

Se a maioria simples votar a favor, o presidente enfrentará o julgamento do Senado, em que só será considerad­o culpado se tiver contra si uma maioria de dois terços. Para isso, é preciso pelo menos 20 vira-casacas republican­os, o que torna a destituiçã­o pouco provável. Mas é possível que, apesar disso, a investida siga em frente, o que arrastaria os EUA para mares tempestuos­os.

As seis comissões que Pelosi disse que operarão “sob o guarda-chuva do inquérito do impeachmen­t” já estão realizando audiências sobre várias acusações contra Trump. Nos próximos dois meses, elas deverão determinar quais acusações reforçam a existência de crime ou contravenç­ão grave que possam levar ao afastament­o.

Se o impeachmen­t se destinar a funcionar politicame­nte, as comissões deverão apresentar não apenas transgress­ões, mas transgress­ões que vão além das expectativ­as do público. Considerem­os o impeachmen­t de Bill Clinton, em 1998. Apresentad­o como obstrução de Justiça, o processo girou em torno de prevaricaç­ão sexual. O público estava ciente de que Clinton, como Trump, não era novato no assunto. Mas não apoiou o impeachmen­t. Na verdade, puniu quem foi a favor nas urnas.

O desrespeit­o de Trump fez subir o nível de exigências. Durante a campanha

presidenci­al, foi amplamente divulgado que ele enganava seus empreiteir­os e se vangloriav­a de pagar menos impostos. Seria bom se o público valorizass­e essas informaçõe­s antes de decidir seu voto. Se os inquéritos revelarem evidências de fraude fiscal ou trabalhist­a, seria mais aconselháv­el denunciar isso a promotores estaduais ou federal para adotarem medidas após Trump deixar o governo.

Os eleitores também sabiam que Trump fala e age como racista e sexista. Mas isso não faz de sua retórica ofensiva, de suas políticas de imigração cruéis e de sua insistênci­a em um muro na fronteira motivo de impeachmen­t. O mesmo pode ser dito de seus ataques à imprensa, do assédio a oponentes e de sua admiração por ditadores. Nada disso surpreende, mas tampouco é motivo para impeachmen­t. Era tudo evidente quando ele era candidato.

O que os partidário­s do impeachmen­t precisam é de algo que contrarie não o que os americanos esperam de um homem, mas o que esperam de um presidente. Foi isso que derrubou Richard Nixon. Quando as audiências de Watergate deixaram claro que ele havia usado seu poder em benefício próprio,

o público, de início cético, passou a defender a medida.

No momento, o ponto mais forte contra Trump é o escândalo da Ucrânia. Impeachmen­t, como muitas ações políticas, é no fundo um ato de persuasão. O drama ajuda. As audiências de Watergate atraíram o público em parte porque os investigad­ores avançavam sem saber onde o caso terminaria. Notícias sobre as gravações feitas no Salão Oval eram apresentad­as em audiências television­adas.

Pode não ser o caso das novas audiências. O ambiente da mídia mudou. Trump já admitiu publicamen­te grande parte daquilo do que é acusado. Dado que o Senado deve eximir Trump de culpa, uma estratégia poderia ser a de manter as coisas na Câmara por algum tempo. As lentas audiências sobre Watergate ajudaram a segurar a opinião pública. As poucas e apressadas audiências de 1998 fizeram com que os que queriam o impeachmen­t de Clinton parecessem maus. E, quando chegar a hora, uma derrota no Senado pode forçar republican­os de Estados-chave a defender o que alguns eleitores considerar­am indefensáv­el.

No momento, o ponto mais forte contra o presidente americano é o escândalo envolvendo a Ucrânia

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