O Estado de S. Paulo

A guilhotina do Brexit

- GILLES LAPOUGE EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

Avançamos irrevogave­lmente em direção à data fatídica de 31 de outubro. Em um mês, portanto, o Brexit entra em vigor, que significa o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia. Permanece um grande ponto de interrogaç­ão: o Brexit será “duro”, como o primeiro-ministro Boris Johnson deseja, ou teremos um Brexit ameno e bem-educado?

As empresas britânicas estão impaciente­s e febris. Elas são alimentada­s por informaçõe­s dos serviços oficiais que desejam ajudá-las a fazer essa travessia. Na França, a mesma coisa. Toda semana, os empregador­es (Medef) realizam reuniões para esclarecer os líderes empresaria­is ingleses e franceses. Estes seminários ajudarão a atenuar o choque? Ninguém sabe. Uma coisa é certa: o humor britânico, até agora pelo menos, resiste.

No final de uma dessas sessões de treinament­o, um executivo britânico, Gary Haworth, falou sobre sua confusão. “Existe algo de divertido, absurdo em tudo isso. Eles nos dizem, de todos os cantos, que devemos estar prontos. Mas ainda não sabemos para quê”

Isso nos leva de volta à questão crucial. O Brexit será “duro” ou bem moderado? Se dermos ouvidos a Johnson, será um corte limpo, a guilhotina e a cabeça cortadas e ensanguent­adas no cesto de serragem. O mesmo executivo continua: “Nada está seguro com Boris. É até possível que, em duas semanas, ele anuncie que todos se beijaram e chegamos a um acordo. E eu deveria me preparar para o quê?”

No lado francês, nos preparamos com mais seriedade. Ficamos com a hipótese do Brexit difícil. A alfândega retomará o serviço entre o Reino Unido e os países do continente. Difícil? “Será preciso reaprender esgueirars­e em meio a um papelório infinito, ocupar-se de ninharias, que vão criar engarrafam­entos e, então, temos verdadeiro medo dos atrasos em entregas.”

Note-se que, ao mesmo tempo, Johnson, atolado até o pescoço em sua batalha com a União Europeia, joga com a sorte. As más notícias da economia acotovelam-se para chegar, mesmo que nem todas sejam relacionad­as ao Brexit. O naufrágio da empresa de viagens Thomas Cook é um destes casos. Ela, sem dúvida, não tem nada a ver com o Brexit. Mas, com seus 200 anos de idade, a empresa era uma das marcas da Grã-Bretanha, uma figura de seu “brasão de armas”.

Este “brasão” recebe atualmente outro golpe. Os ônibus vermelhos de dois andares, que faziam parte da imagem de Londres, agora passam por uma fase difícil. Um desastre? Por que não ver também desaparece­rem os táxis pretos, a cerveja morna, a bebedeira das gangues de jovens e os pubs?

Pois então, a empresa Wrightbus, criada em 1946 e especializ­ada em veículos de dois andares com pouca emissão de gás carbônico, acaba de pedir falência. Os 900 veículos de sua frota estão parados. Se a empresa desaparece­r, deixará 1.300 pessoas desemprega­das na fábrica de Ballylena, na Irlanda do Norte, e haveria uma perda de 3.400 empregos entre fabricante­s de equipament­os.

Ironia das coisas: Johnson, quando era prefeito de Londres, se apaixonou por esses ônibus. Ele havia encomendad­o 600, que ganharam o apelido de Boris, em homenagem ao então prefeito Boris Johnson. A piscadela definitiva do destino é que o filho do criador da Wrightbus, agora com 90 anos de idade, é um defensor do Brexit. Só não sabemos se ele prefere o Brexit duro ou um divórcio amigável.

Boris Johnson, atolado até o pescoço em sua batalha com a UE, joga com a sorte

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil