Abelhas cegas pelo amor
Nos humanos a relação entre amor e cegueira está por todos os lados. “Ele não tem olhos para outra mulher”, “Está cego de paixão”, “O amor cega” são algumas frases que usamos para descrever a perda de visão, de pessoas apaixonadas. A novidade é que as abelhas também ficam cegas após um romance tórrido. Mas as razões são outras.
Entre as abelhas domésticas (Apis melífera), a cada ano a rainha e dois terços do seu séquito de operárias abandonam a colmeia em busca um novo local para viver. Mas deixam uma ou duas dúzias de pupas que vão se transformar em rainhas (só existe uma rainha por colmeia, a única fêmea fértil). Quando essas princesas nascem, elas competem mortalmente pelo trono. Somente uma sobrevive. Geralmente a primeira que nasce mata as outras antes de saírem da pupa. A nova rainha, ainda virgem, coloca ovos que geram machos férteis, os zangões. Mas, para produzir as operárias, a rainha precisa copular com um macho. Levada por essa urgência reprodutiva, a rainha sai voando, perseguida por dezenas de seus filhos machos (os zangões).
Quem pegar a rainha em pleno voo a insemina em um ato sexual violento que leva à morte o zangão. Outros machos continuam tentando e a orgia continua. Aí a rainha volta à colmeia. Algumas vezes esse é seu único voo, tendo conseguido encher seu depósito de espermatozoides para toda sua vida reprodutiva.
Mas outras vezes ela realiza mais um voo nupcial.
Existem muitas maneiras de os machos competirem pelo direito de serem os pais de toda a colônia. Primeiro eles competem durante o voo. Quando existe mais de um felizardo, seus espermatozoides competem entre si no interior do reservatório de espermatozoides da rainha, mesmo depois do zangão estar morto (essa é outra história interessante). Mas existe um terceiro mecanismo, que já havia sido descoberto em outros insetos, e agora foi comprovado na simpática abelhinha: o fluido espermático dos machos possui componentes que alteram o comportamento das fêmeas, na prática sabotando a capacidade visual delas.
Para comprovar esse fenômeno, os cientistas estudaram tanto a acuidade visual das rainhas quanto a expressão de diversos genes que regulam o funcionamento dos olhos. O experimento
é simples. Rainhas criadas em cativeiro foram divididas em três grupos principais: virgens, inseminadas com fluido seminal e inseminadas com salina (água e sal). Usando eletrodos (eletrorretinografia) foi possível monitorar o funcionamento do sistema visual. Usando métodos genéticos foi monitorado o funcionamento de genes relacionados à visão e, finalmente, acompanhando o comportamento das rainhas, foi possível verificar se elas eram capazes de voltar à colmeia após seus voos. Os resultados mostram que a inseminação com fluido seminal altera o funcionamento da retina, principalmente a transformação do sinal luminoso em sinal elétrico. Também os genes relacionados com a retina ficam alterados. Essas duas modificações não ocorrem em rainhas inseminadas com salina ou nas rainhas virgens. Além disso, as rainhas inseminadas com fluido seminal se perdem mais frequentemente quando saem para seus voos, o que confirma sua deficiência visual.
Esses resultados demonstram que a presença de fluido seminal na rainha reduz sua capacidade visual e, portanto,
sua capacidade de se localizar. Assim, rainhas que já foram inseminadas têm alto risco de se perderem e morrerem, se decidirem sair voando atrás de outros machos. Melhor ficarem quietinhas.
Em outras espécies já foi inclusive identificado o composto presente no fluido seminal responsável por esse fenômeno. É um peptídeo sexual que penetra na parede da vagina e altera a visão. Confesso que procurei, mas não descobri se há algo parecido com esse peptídeo sexual no sêmen humano, mas não há dúvidas, seres humanos apaixonados ficam cegos (ou quase). Como em seres humanos ambos os sexos ficam cegos, talvez o local para procurar esse peptídeo seja a saliva.
A presença de fluido seminal na rainha reduz sua capacidade visual e de se localizar
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MAIS INFORMAÇÕES: SEMINAL FLUID COMPROMISES VISUAL PERCEPTION IN HONEYBEE QUEENS REDUCING THEIR SURVIVAL DURING ADDITIONAL MATING FLIGHTS. ELIFE, https://doi.org/10.7554/eLife.45009 (2019)