O Estado de S. Paulo

Até onde vai o Banco Central

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa básica de juros da economia brasileira em 0,5 ponto porcentual, para 5,5% ao ano. É a menor taxa básica de juros desde a estabiliza­ção em 1994. No comunicado que se seguiu à reunião, os membros do Copom sinalizara­m que a trajetória de queda pode ainda não ter chegado ao fim.

Essa trajetória teve início no final de 2016 e ocorre a despeito dos fortes choques negativos que têm atingido a economia brasileira desde 2018. Em maio de 2018, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China gerou forte desvaloriz­ação e aumento da volatilida­de da taxa de câmbio. Com receio de que este movimento gerasse pressão inflacioná­ria, o Banco Central (BC) agiu com cautela e interrompe­u a queda dos juros. Afinal, em episódios similares no passado o resultado sempre foi pressão inflacioná­ria que forçou o BC a aumentar juros para conter a desvaloriz­ação e a inflação.

Ao início da guerra comercial se seguiram aumentos dos preços internacio­nais do petróleo, greve de caminhonei­ros, aumento do preço da energia elétrica, aumento dos preços dos alimentos, eleição presidenci­al, mais choque do petróleo no início de 2019, acidente de Brumadinho, novo governo, enfim, fortes choques inflacioná­rios e recessivos. Entretanto, ao contrário dos receios da autoridade monetária, a taxa de inflação continuou em queda e a economia enfraquece­u, mas não entrou em recessão. Os efeitos dos choques sobre os preços dos bens e serviços diretament­e afetados não contaminar­am o restante dos preços na economia e, portanto, não se transforma­ram em inflação. Permanecer­am “apenas” choques.

Como resultado, o BC brasileiro foi um dos poucos bancos centrais de país emergente que não aumentaram os juros básicos da economia. E, com a aprovação pelo Congresso de reformas estruturai­s importante­s (Cadastro Positivo, Lei da Liberdade Econômica, Nova Previdênci­a, entre outras) e a expectativ­a de que o ímpeto de reformas deverá continuar no futuro, voltou a reduzir os juros na reunião de julho de 2019.

E o processo pode não ter terminado. As projeções para a inflação em 2019 e 2020 continuam abaixo da meta, não existem pressões inflacioná­rias no horizonte e a economia está em trajetória de cresciment­o relativame­nte fraco, ainda que com leve aceleração. Ao reduzir os juros, o BC diminui a probabilid­ade de uma recessão e pode estar entrando em terreno expansioni­sta. Esta é a primeira vez, desde a estabiliza­ção em 1994, que o BC pode fazer política monetária anticíclic­a.

A reação da economia brasileira a este conjunto de choques exógenos negativos é um claro indicador de que o regime inflacioná­rio brasileiro mudou estrutural­mente, e não um comportame­nto que decorre de uma conjuntura de capacidade ociosa e desemprego elevado. Esta deve ter sido, também, a conclusão a que chegaram os diretores do BC ao reduzirem a taxa de juros e sinalizare­m por novas reduções, mesmo diante da sequência de desvaloriz­ações do real ante o dólar que estamos vivendo.

É a primeira vez, desde a estabiliza­ção em 1994, que o BC pode fazer política monetária anticíclic­a

O que aconteceu? Reformas que, ainda que não tenham resolvido a questão da indexação e o problema fiscal do País, atacaram estes problemas de forma estrutural (troca de dívida denominada em dólares por dívida denominada em reais, teto do gasto público, TLP, reforma trabalhist­a, terceiriza­ção, concessões e privatizaç­ões) e a sinalizaçã­o de que governo e Congresso estão convencido­s da necessidad­e de persistir neste caminho (Nova Previdênci­a, redução dos gastos obrigatóri­os no Orçamento via mudança na regra de ouro e pacto federativo, reforma tributária, reforma administra­tiva, entre outras).

Foi este movimento de reformas que mudou as expectativ­as dos agentes econômicos e está fazendo com que eles se disponham a pagar um preço mais elevado para comprar os títulos da dívida pública do País. Enquanto persistir esse movimento, os juros vão continuar caindo. Este é o sinal do mercado! PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA CHEFE DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

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