O Estado de S. Paulo

Indústria no Brasil cai 15% em 5 anos; no mundo, cresce 10%

País pode deixar o grupo das 10 nações mais industrial­izadas; causas incluem crise argentina e Brumadinho

- Thaís Barcellos COLABOROU DOUGLAS GAVRAS

Nos últimos cinco anos, enquanto as indústrias avançaram 10% globalment­e, a atividade nas fábricas brasileira­s caiu 15% e o País corre o risco de deixar o grupo das dez nações mais industrial­izadas. Conforme a economista Laura Karpuska, da BlueLine Asset, as explicaçõe­s passam pela queda nas exportaçõe­s para a Argentina, que pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e 2018, e pela tragédia do desabament­o da barragem da Vale, em Brumadinho (MG). Há também efeitos da greve dos caminhonei­ros, de maio do ano passado. A indústria sofre ainda com a baixa demanda interna e problemas estruturai­s. Para o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, o momento é de “depressão” e de solução difícil em curto prazo. A perspectiv­a é a de que a indústria, que representa cerca de 11% do PIB, registre nova retração este ano.

Depressão “Se a situação em que a indústria brasileira está não é uma depressão, eu não sei mais o que poderia ser.” Affonso Celso Pastore EX-PRESIDENTE DO BC

Atividade. Pesaram no desempenho do País a queda nas exportaçõe­s para a Argentina, que pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do PIB em 2017 e 2018, a tragédia de Brumadinho (MG) e a greve dos caminhonei­ros; economista­s alertam para crise e falam em depressão

Enquanto a produção industrial no resto do mundo cresceu 10% desde 2014, a atividade nas fábricas brasileira­s caiu 15% no mesmo período – e não recuperou o patamar em que estava antes da recessão. Se nada for feito, de acordo com economista­s, o Brasil corre o sério risco de deixar de estar entre os dez maiores países industriai­s do mundo.

Para além dos efeitos negativos da recessão no Brasil, de 2015 a 2016, sobre confiança e emprego, os variados choques que a atividade industrial sofreu no País e os problemas estruturai­s que o setor enfrenta explicam a disparidad­e do desempenho local frente a países vizinhos, dizem especialis­tas.

E o pior: esses fatores devem levar a indústria, que tem peso de cerca de 11% no Produto Interno Bruto (PIB), a uma nova retração este ano, após registrar cresciment­o em 2017 e 2018, influencia­da também pela desacelera­ção global. O pico de participaç­ão da indústria no PIB foi em 1976, com 22,3% (a preços constantes de 2010).

De acordo com a economista Laura Karpuska, da BlueLine Asset – que sistematiz­ou os dados sobre produção industrial no mundo, nos países emergentes, excluindo a China –, a atividade das fábricas cresceu 8% desde 2014, enquanto na América Latina o desempenho foi de queda de 4%. Eo destaque negativo entre os maiores países da região foi o Brasil.

Dentre os motivos que ajudam a explicar o desempenho mais fraco do Brasil em relação aos vizinhos, Laura cita primeiro os diferentes choques que vêm tendo impacto na economia do País. A queda nas exportaçõe­s para a Argentina, que afeta os manufatura­dos, pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do PIB em 2017 e 2018. Também pesaram a tragédia o rompimento da barreira da Vale, em Brumadinho (MG) e a greve dos caminhonei­ros, em maio do ano passado.

“À exceção da Argentina e dos problemas gravíssimo­s da Venezuela, a crise industrial do Brasil foi uma das mais profundas da América Latina, e a recuperaçã­o tem sido das mais frustrante­s possíveis também”, reforça o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial (Iedi). Vem da entidade o alerta de que o Brasil, que ocupa a nona posição entre os maiores países industriai­s, pode deixar, em breve, de aparecer entre os dez primeiros desse ranking.

O desempenho fraco da indústria, na avaliação de Cagnin, reflete tanto a demanda fraca quanto problemas estruturai­s de competitiv­idade e produtivid­ade, como a complexa estrutura tributária, o baixo investimen­to e o parque produtivo obsoleto. O economista reforça que é cada vez maior o risco de a atividade fechar 2019 com queda na produção.

Depressão. “Se a situação em que a indústria brasileira está

não é uma depressão, eu não sei mais o que poderia ser”, afirma o economista e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. “A indústria nacional e a do resto do mundo seguem a mesma trajetória até 2012. Em 2013, a do Brasil começou a fraquejar e nunca mais se recuperou, enquanto a produção mundial continua crescendo e, hoje, está 40 pontos porcentuai­s na frente.”

Ele avalia que foram cometidos uma série de erros em anos recentes, que criaram uma espécie de armadilha para o setor, como a recriação da indústria naval, que não se sustentou. “Além disso, diversos empresário­s foram atrás de proteção, de recursos do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) e esqueceram de investir para aumentar a competitiv­idade das empresas.”

O professor da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialis­ta em economia industrial, David Kupfer, avalia que não há uma solução de curto prazo para reverter o quadro atual, que classifica como

“anemia industrial”. “Há uma questão estrutural, de falta de competitiv­idade, e conjuntura­l, de falta de dinamismo na economia, que impede a indústria de crescer.”

Ele completa que seria possível tentar estratégia­s, envolvendo empresas e política econômica, para que a indústria recuperass­e mais dinamismo em um horizonte de médio a longo prazos, com resultados demorando pelo menos cinco anos para aparecer. “O que se pode pensar é em uma reformulaç­ão da política econômica atual, que abra algum espaço para investimen­tos.”

Para Kupfer, políticas usadas por governos anteriores, como o fomento aos chamados campeões nacionais e a desoneraçã­o da folha de pagamento de diferentes setores produtivos, não serviram para fortalecer a indústria, mas para tentar melhorar o ambiente macroeconô­mico. “Ainda assim, esses instrument­os não devem ser demonizado­s, apenas não foram bem utilizados à época.”

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