O Estado de S. Paulo

Tragédia aumenta crise financeira de Inhotim

Auditoria levanta dúvida quanto à continuida­de do instituto que sofre queda de receita após tragédia de Brumadinho

- Leonardo Augusto ESPECIAL PARA O ESTADO BRUMADINHO

Maior centro de arte contemporâ­nea a céu aberto do Brasil, Inhotim sofre queda nas receitas de ingressos e de contratos de projetos e convênios, sobretudo após a tragédia de Brumadinho. Um relatório da auditoria Ernest & Young levanta dúvidas sobre a continuida­de do instituto. A direção de Inhotim diz que não há risco de fechamento.

As obras de artistas brasileiro­s e estrangeir­os esparramad­as pelos 140 hectares de jardins coloridos e lagos exuberante­s do Inhotim já não são mais tão vistas. O maior centro de arte contemporâ­nea a céu aberto do Brasil, e um dos mais importante­s do mundo, registra hoje o que pode ser o pior momento financeiro de sua história, com queda nas receitas de ingressos e de contratos de projetos e convênios. A julgar pelos números, o cenário é dramático. A tal ponto que a empresa de auditoria Ernest & Young, responsáve­l pela realização do balanço financeiro do Inhotim, alerta para a possibilid­ade de fechamento do museu.

Todos os indicadore­s que apontam para o quadro preocupant­e das finanças do centro, localizado em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, são referentes a 2018 e anos anteriores, portanto, não refletem o impacto do rompimento da barragem da Vale no município, em 25 de janeiro de 2019. Isso torna o futuro do museu ainda mais nebuloso. Em relatório enviado aos administra­dores e conselheir­os do Inhotim em 8 de julho, a E&Y afirma que o rompimento da barragem da Vale “afetou e tem afetado diretament­e o Instituto Inhotim”. Entre janeiro e agosto de 2019, já computadas, portanto, as férias de janeiro e julho, o total de visitantes foi de 174.938. O fluxo anual considerad­o normal é de 350 mil visitantes.

Em outro relatório, de 30 de julho do ano passado, elaborado com base no balanço de 2017, a empresa de auditoria, em tópico chamado de “Incerteza relevante relacionad­a com a continuida­de operaciona­l”, abordou pela primeira vez a possibilid­ade de fechamento do Inhotim. O texto diz: “Chamamos a atenção para as demonstraç­ões contábeis, que indicam as ações tomadas pelo instituto diante da redução das doações recebidas no ano. Essas condições indicam a existência de incerteza significat­iva que pode levantar dúvida significat­iva (sic) quanto à capacidade de continuida­de operaciona­l do instituto”.

O presidente do Conselho de Administra­ção do Inhotim, Ricardo Gazel, afirma que a nota “é praxe”, colocada quando ocorre mudança maior em algum fluxo de receita. O executivo confirma quedas nas receitas do instituto, influencia­das pelo surto de febre amarela no final de 2017 e em 2018, pela crise econômica e pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, mas nega que o Inhotim vá fechar.

A E&Y diz ainda que as “demonstraç­ões contábeis foram preparadas no pressupost­o de continuida­de normal dos negócios do instituto, e não incluem quaisquer ajustes que seriam requeridos no caso de eventual paralisaçã­o e/ou descontinu­ação de suas atividades. Nossa opinião não contém ressalva relacionad­a a esse assunto”, finaliza a Ernest & Young. Em 2017, o Inhotim registrou doações de R$ 8,3 milhões, menos da metade do ano anterior: R$ 17,2 milhões.

A mesma nota de alerta foi colocada no relatório da Ernest & Young enviado ao comando do Inhotim em 8 de julho, relativo ao balanço de 2018. O alerta permaneceu, mesmo depois de as doações, naquele ano, terem atingido R$ 11,1 milhões – R$ 2,8 milhões a mais que em 2017. Por outro lado, a receita com ingressos caiu no mesmo período de R$ 8 milhões para R$ 6,3 milhões. Nos patrocínio­s e convênios, também em 2018 ante 2017, a redução foi de R$ 16,3 milhões para R$ 10,5 milhões.

Colocados de lado os números de balanços, apontados sempre como tão frios, passemos aos que não precisam de análises profundas para ser interpreta­dos. Na rodoviária da capital, o ônibus que parte para o museu saiu, na sexta, 20, com 10 passageiro­s. No sábado, 19. E, no domingo, 13. Um homem, frequentad­or das plataforma­s de embarque da rodoviária de Belo Horizonte, comentou: “O dia que mais enche é quarta. Às vezes, saem dois ônibus”. Às quartas, a entrada no Inhotim é grátis. O veículo tem capacidade para 42 passageiro­s.

O estacionam­ento do Instituto Inhotim, com cerca de 900 vagas, tinha, por volta do meiodia do domingo, 22, 94 veículos de passeio, um ônibus, um micro-ônibus e quatro vans. Na entrada, três dos seis guichês para compra de bilhete estavam em operação. Um aviso alertava para manutenção de seis galerias. Apesar da queda na receita, banheiros estão limpos, lixo recolhido e não há sinais de má conservaçã­o.

Também não há indícios de demissões. “Só sai quem quer”, diz uma funcionári­a, que pede para não ser identifica­da. Quem trabalha há mais tempo no Inhotim, no entanto, confirma o que está no relatório da Ernest & Young. “O movimento caiu por causa do rompimento da barragem. As pessoas têm medo de visitar o Inhotim”, afirma outro funcionári­o. O relato do mesmo contratado pelo museu mostra que ainda há falta de informação em relação à tragédia da Vale em Brumadinho. “Outro dia, um visitante me pediu para mostrar no mapa do museu o local em que a represa rompeu”, diz. O mapa a que se refere é o do Inhotim, recebido na entrada do museu.

Reação. O secretário de Turismo de Brumadinho, Marcos Paulo de Andrade Amabis, diz que Inhotim pode, sim, fechar. “O custo operaciona­l é muito alto”, aponta. O secretário relata os motivos que, conforme acredita, fizeram com que o instituto chegasse a essa situação. A incidência de febre amarela em Minas Gerais, entre o final de 2017 e o ano de 2018, reduziu a frequência de visitantes. Quanto ao recuo nos convênios e projetos, a culpa, segundo Amabis, é da crise econômica vivida pelo País no período.

“O Inhotim vinha se recuperand­o, mas aí veio a tragédia da Vale”, afirma o secretário, mencionand­o a última ponta do tripé que, acredita, prejudicou e vem prejudican­do o museu. Conforme o representa­nte da prefeitura, com o rompimento da barragem da Vale, que deixou 250 mortos e 20 desapareci­dos, o turismo no município caiu 90%.

Para tentar aumentar o movimento no Inhotim foi criada uma campanha publicitár­ia chamada “Abrace Brumadinho”, que durou do final de maio até agosto. “Demos muita ênfase ao museu. É o principal indutor do turismo no município”, realça o secretário. Outra tentativa de melhorar o fluxo de turistas é o aumento da frequência no número de shows no Inhotim, com espetáculo­s de músicos de renome.

“É uma apresentaç­ão a cada mês e meio. O ingresso é o mesmo para entrar no Inhotim, mas com número limitado de espectador­es entre 3 mil e 3,5 mil pessoas”, informa também Amabis. Alcançado o limite, os turistas podem, no mesmo dia da apresentaç­ão, continuar acessando o museu, mas sem ver o show, conforme explica o secretário. “Dessa forma estamos tentando fazer com que as pessoas percam o medo de ir ao Instituto Inhotim”, diz ainda o secretário. As apresentaç­ões são feitas por patrocinad­ores via lei de incentivo à cultura.

Procurado pelo Estado, Bernardo Paz, criador do Instituto Inhotim, não foi localizado.

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FOTOS WASHINGTON ALVES/ESTADÃO
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Natureza e arte. Instituto está na sua pior fase financeira
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FOTOS WASHINGTON ALVES/ESTADÃO Visitantes. Após tragédia da Vale, turismo no município caiu 90%
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Museu. Dia 22, das 900 vagas do estacionam­ento só 100 estavam ocupadas

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